NOTA 7,0 Drama aborda a questão da importância da preservação da memória através dos objetivos de um colecionador de lembranças |
Todos ouvimos diariamente a exaltação aos
avanços da modernidade e o pessoal que é ligado em tecnologia não tem do que
reclamar. Praticamente toda a semana uma bugiganga nova é lançada e hoje é
possível em um pequeno aparelho arquivar centenas de lembranças em forma de
mensagens de texto, de voz, fotografias ou vídeos, podendo ser materiais
pessoais ou de domínio público. O curioso é que mesmo com esses avanços parece
que a população mundial está a cada dia com a memória mais curta. O dia-a-dia
atribulado ou simplesmente por puro desprezo emocional acaba por fazer com que
as pessoas esqueçam até mesmo momentos importantes com a família ou da sua
própria vida. Você se recorda de algum objeto característico para lembrar-se da
casa de seus avós? Lembra quem lhe deu aquele brinquedo que você tanto desejava
no Natal quando era criança? Consegue ter a memória gustativa para lembrar o
sabor do bolo de aniversário que ganhou e que mais gostou? Podem parecer bobagens, mas são estas pequenas
lembranças materiais ou emocionais que ajudam a contar a história de cada ser
humano, justificar seu presente e de repente apontar caminhos para o futuro.
Quem gosta de colecionar objetos provavelmente tem uma sensibilidade superior e
desse hábito surgem histórias emocionantes, divertidas e até bizarras. Tem
gente que coleciona selos de cartas, outros miniaturas de bonecos ou carrinhos e
até moedas e notas de dinheiro antigas podem ter valor sentimental para alguns.
O protagonista de Uma Vida Iluminada tem uma coleção bastante curiosa. Ele não se
prende a um ou dois tipos de itens, simplesmente ele coleciona momentos da vida
de alguém. Jonathan Safran Foer (Elijah Wood) é um judeu americano que após a
morte recente do avô decide ir até a Ucrânia para tentar achar a suposta mulher
que salvou a vida de seu avô durante a Segunda Guerra Mundial. Uma foto dela
acompanhada do falecido e o pingente que ela usava na ocasião são as únicas
recordações que ele tem do avô, itens que ele faz questão de guardar com todo
cuidado em saquinhos plásticos individuais e etiquetados. Nessa viagem ele
recebe a ajuda de Alex Perchov Jr. (Eugene Hutz), um atrapalhado tradutor, e do
avô do rapaz, Alex (Boris Leskins), um homem mal-humorado e que está sempre na
companhia de um cão-guia, pois afirma que está cego. Durante a jornada este
inusitado grupo descobre segredos sobre a ocupação nazista que mexeram como o
emocional de todos eles.
O jovem Jonathan sem dúvidas é um rapaz
fora de seu tempo em todos os aspectos. Seu visual nerd e sempre vestindo
ternos alinhados já demonstram o estilo intelectual do rapaz. Ou seria estilo
bizarro? Se para alguns um guardanapo de papel é simplesmente lixo depois de
usado, para ele aquilo pode ser uma relíquia. Ele mantém em casa uma parede
forrada de lado a lado com objetos que remetem as lembranças de pessoas que
fazem ou fizeram parte de sua vida. Durante a viagem à Ucrânia, por exemplo, o
rapaz não esquece sua mania e guarda desde um simples pedaço de batata cozida
até um aparentemente inútil inseto. Só mesmo o próprio Jonathan para explicar
os significados que tais elementos têm. Aliás, se o protagonista é um tanto estranho,
seus companheiros de estrada não ficam atrás. A dupla Alex e Alex trabalha
conduzindo turistas que visitam o país pouco explorado em busca de notícias de
seus ancestrais ou herança cultural, na verdade uma empresa familiar que conta
apenas com um carro velho para transportar os clientes. Enquanto o avô diverte
o público com suas caras de rabugento e tiradas sarcásticas, o neto arranca
gargalhadas com seu estilo “mano” de ser e de se vestir e por falar errado,
além é claro de improvisar absurdos quando faz traduções, o que deveria ser sua
especialidade. É bem interessante o contraponto do personagem de Wood e de
Hutz, cada um com suas esquisitices, mas que acabam criando uma amizade
totalmente crível. E não podemos esquecer o quarto integrante da viagem, a
cão-guia, que na realidade é só para companhia, batizado de Sammy Davis Jr. e
que causa certo estranhamento a Jonathan já que o rapaz tem fobia de cachorros,
pena que tal gancho é pouco explorado pelo roteiro. Aliás, para quem acredita
que este road movie leva a assinatura de algum cineasta cult como Wes Anderson,
um especialista em tramas sobre famílias e personagens disfuncionais, ou Emir
Kusturica, devido as situações surreais, se engana.
Baseado no livro “Everything is
Illuminated” do próprio Jonathan Safran Foer, o roteiro e a direção ficaram a
cargo do estreante Liev Schreiber. Quem? Seu nome não é muito famoso, mas seu
rosto com expressão sisuda já figurou em muitos filmes sendo os mais famosos Pânico e A Profecia. A estreia do ator em funções atrás das câmeras passa
longe do estilo comercial americano e é bastante satisfatória, embora a
indefinição pelo tom do filme, ora cômico, ora dramático, incomode um pouco. O
romance parecia uma obra inadaptável, mas Schreiber foi esperto e não quis
arriscar além do que acreditava que poderia arcar assim ele optou por focar as
atenções em cima de apenas uma das histórias do livro, provando que tem
consciência de suas limitações, um importante passo para um cineasta promissor.
Como escritor ele também possui talento, tanto que o roteiro foi premiado na
Mostra de Cinema de São Paulo, além de o longa ter faturado o Prêmio Lanterna
Mágica no Festival de Veneza. Até mais da metade o filme adota o humor como fio
condutor, explorando a personalidade excêntrica dos personagens e as diferenças
de idiomas. Quando as lembranças do Holocausto entram em cena, o tom dramático
toma conta da película. É interessante observar os contrastes de imagens
propostos. A Ucrânia, na realidade as imagens de paisagens da República Tcheca,
é captada com um colorido bucólico e vez ou outra as cores suaves abrem espaço
para lembranças tingidas com agressivos tons escuros, predominando o preto e o
cinza, mas com detalhes vermelhos para evidenciar o sangue derramado durante a
guerra, um recurso eficiente para imprimir um estilo documental às imagens dos
fatos históricos. Porém, sem dúvidas, nenhuma cena chama tanto a atenção como o
vasto campo de girassóis sob um céu limpo e extremamente azulado, uma
sequência-chave, tanto que tais flores são marcas registradas da produção. Uma
Vida Iluminada, em resumo, é um projeto simples, mas ao mesmo tempo
complexo. Pode parecer banal, porém, não deixa de tocar o emocional do
espectador. Tem um ritmo lento em diversos momentos, mas condizentes com a
trama. Guarda em seu visual e narrativa um quê de modernidade ou alternativo,
mas na realidade quer se comunicar com o cinéfilo que sente falta de uma boa e
bem contada história. Único, essa seria a melhor definição. Além de deixar
latente o desejo de despertar no espectador o hábito da preservação da memória,
incluindo o resgate da cultura cinematográfica (basta saber absorver um pouco
do universo e dos sentimentos do protagonista para compreender a mensagem), o
longa ganha pontos pelo fato de falar dos horrores da Segunda Guerra Mundial
sem precisar recorrer a clichês como combates e torturas nos campos de
concentração, mas sem enterrar as atrocidades. Com muita sutileza, e talvez sem
perceber, Schreiber trouxe duas grandes contribuições para a humanidade, além
de ser mais uma prova de que dentro de um ator que para sobreviver precisa
aceitar as regas do jogo do cinema sempre pode existir um cineasta entusiasmado
a fazer coisas muito melhores para a sétima arte. Uma pena que a fraca repercussão talvez tenha desanimado um profissional promissor que preferiu manter-se apenas diante das câmeras, mesmo que em papéis pequenos ou subaproveitados.
Drama - 100 min - 2005
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