NOTA 7,0 Ed Harris se preparou por vários anos para interpretar artista plástico pouco conhecido e para estrear como diretor |
A vida de grandes pintores já
foi retratada pelo cinema que frequentemente também abre espaço para
conhecermos artistas que tiveram sua importância, mas cuja obra o tempo tratou
de apagar da memória coletiva. Infelizmente o mesmo destino é dado à muitas
versões cinematográficas que se propõem a invadir a intimidades desses
criadores e apresentar ao mundo um pouco de seus trabalhos. Infelizmente foi
esse o caminho trilhado por Pollock, drama que deu o Oscar
de atriz coadjuvante para Marcia Gay Harden e que marca a estreia na direção do
ator Ed Harris que também atua no filme fazendo o protagonista, o artista
plástico Jackson Pollock que revolucionou a pintura ao abdicar dos pincéis e
passar a utilizar diversos objetos para espalhar as tintas de forma
desorganizada, assim cada traço ou borrão em suas telas eram únicos e com
texturas variadas, uma técnica moderna que acabou virando moda décadas mais
tarde. Mostrando
competência na frente e atrás das câmeras, Harris levou cerca de dez anos para realizar
este projeto que também produziu, o tempo necessário para conseguir um modesto
orçamento, mas principalmente para que ele se sentisse pronto para encarar a
complexa personalidade do artista e o fato de ser o centro das atenções de um
trabalho, visto que sua carreira é pautada em cima de atuações coadjuvantes
elogiadas. Este trabalho é bem pessoal e ele se entregou totalmente a dura
rotina de atuar e dirigir ao mesmo tempo e se arriscou ao decidir levar para o
cinema um pouco da história de um dos maiores nomes da pintura moderna
norte-americana. Além de estar exposto as várias críticas tão comuns às
cinebiografias devido aos exageros, contemplações ou omissões que esse tipo de
produção exige para se tornar viável, o ator também já devia estar preparado
para as fracas bilheterias afinal Pollock para muitas pessoas era um
desconhecido até então e pelo visto continua na mesma situação, só assim para
explicar as dificuldades para encontrar ou até mesmo a ausência do título no
mercado. É a lei da demanda e da oferta ou os resultados negativos do inverso
desta regra mostrando seu poder. Baseado no livro “Jackson Pollock: An American
Saga”, de Steve Naifeh e Gregory White Smith, também roteiristas do filme, a
trama se concentra em um período profissional peculiar de Pollock, produtivo,
mas ao mesmo tempo de certa forma fracassado, e sua relação com a mulher Lee
Krasner (Marcia Gay Harden), também artista plástica e uma espécie de agente do
pintor.
O longa se passa na década de
1940 em Greenwich Village, um bairro boêmio de Nova York, mas naquela época o
artista era ainda pouco conhecido e vendia uma ou outra obra de arte. Talvez
esse fracasso profissional o tenha levado ao alcoolismo, mas esse fato aliado
ao seu egoísmo, um ponto comum entre vários pintores, só o afundavam ainda
mais. As coisas mudam quando ele conhece Lee que confirma a teoria que sempre
existe uma grande mulher atrás de um grande homem. As obras dos dois seriam
expostas em uma mesma mostra e ela desejava conhecer o estilo de trabalho de
seu contemporâneo. Maravilhada com o que viu no apartamento do artista, Lee
acaba colocando a vida profissional do companheiro em ordem incentivando-o a
produzir mais telas e agendando exposições e outros eventos. De quebra, ela
ainda tentava transformar a rotina pessoal dele afastando-o do vício em bebidas,
um problema que o levava a cometer atos impensados em público que poderiam
arruinar sua imagem. O filme segue cerca de dez anos da vida de Pollock até o
seu reconhecimento por uma grande revista e os críticos em geral, mas o final
não é feliz. Qualquer pesquisa na internet com seu nome revelará a conclusão
desta história. Em um fatídico acidente de carro em 1956 ele falece, porém,
suas obras ficaram como lembranças e registros de um importante período da História
da arte americana, quiçá mundial. O pintor ficou famoso com telas que se
assemelhavam ao estilo moderno de artistas cubistas e surrealistas. Os
especialistas diziam que ele nada mais fazia que misturar técnicas dessas duas
vertentes das artes plásticas, mas anos mais tarde reconheceram seus trabalhos
como representantes do expressionismo abstrato. Bem, a opinião das pessoas que
sempre procuravam explicações e significados em seus borrões de tintas o
deixavam irritado afinal cada um compreende uma obra de arte de forma diferente
do outro e não é necessário entender o desenho conforme as ideias do criador.
Os significados são inúmeros e suas percepções dependem de fatores externos,
culturais e emocionais individuais, as mesmas condições que ditam como um mesmo
filme pode provocar diversas reações, como neste caso em que a obra de Harris
agrega elogios e críticas negativas em proporções razoavelmente semelhantes.
Apesar de Harris idolatrar o
trabalho de Pollock, ele não o poupa e apresenta um retrato fiel enfatizando suas
fraquezas e defeitos detalhadamente, mas os melhores momentos tanto de sua
porção ator quanto de diretor são revelados quando o enfoque é o agressivo e ao
mesmo tempo poético processo criativo das telas, diga-se de passagem, algumas
com suas etapas de confecção captadas desde o zero até o resultado final. Como
já dito, o pintor não utilizava pincéis ou ao menos não da maneira comum. Para
extravasar suas emoções ele trocava as vezes as pinceladas pelo gotejamento de
tinta e comumente usava facas, pás, pedaços de madeira e até areia para criar
efeitos diferenciados à produtos únicos, praticamente impossíveis de serem
replicados. A técnica ficou conhecida como action painting e é a essência do
expressionismo abstrato que por sua vez expõem as ideias do artista por meio de
imagens distorcidas. Por conta deste enfoque, obviamente a parte artística
deste trabalho é primorosa. Além da bela fotografia, a trilha sonora e até
mesmo os figurinos e cenários ajudam a compor um retrato fiel da época. Aliás,
o estilo de roupa do casal protagonista foi minuciosamente estudado, pois eles
eram considerados ousados também nas vestimentas para os padrões vigentes. Mostrando
muito bem o contraponto da fúria e do êxtase do pintor quando em meio as suas
criações e nos momentos em que se entregava ao vício do álcool para esquecer
seus problemas, Pollock consegue escamotear o
tom triste e melancólico da história verídica e imprimir certo colorido à trama,
até porque Harris foi esperto e evitou os clichês de mostrar possíveis dramas e
traumas que marcaram a infância e a juventude do artista plástico, preferindo
concentrar as atenções em sua fase mais madura o que nos leva a crer que sua
personalidade inconstante em partes é reflexo da pobreza de seu presente e da
falta de expectativas para o futuro. Não foi preciso jogar as cores na tela de
forma intencional para esconder a melancolia dos fatos. A vida que
elas cedem a qualquer produção estava lá, mas as tintas e as telas neste caso
são elementos cênicos indispensáveis e o cineasta de primeira viagem conseguiu
tirar bom proveito disso explorando adequadamente os momentos criativos de
Pollock e sua inclusão no high society artístico com direito a aparição de
nomes importantes do meio entre os anos 40 e 50. Pena que hoje o filme é
raríssimo e usufrua dos tons acinzentados do ostracismo.
Vencedor do Oscar de atriz coadjuvante (Marcia Gay Harden)
Drama - 117 min - 2000
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