NOTA 7,0 Bill Paxton dirige e atua em suspense à moda antiga sem usar violência explícita, mas a obra carece de um clímax |
É
curioso como funciona o “star-system” de Hollywwod. Enquanto algumas figuras
viram estreladas aplaudidas e elogiadas da noite para o dia, outras batalham
durante anos e as vezes chegam ao fim da carreira sem o devido reconhecimento.
Por exemplo, se você é realmente ligado em cinema já deve ter ouvido falar em
Bill Paxton, certo? Opa, claro ele fez aquele filme... Aquele... Empacou? Sim,
ele é aquele cara que participou de Apollo
13, Titanic, U-571 entre outras dezenas de produções e até perdeu o posto
de protagonista em Twistter para os
tornados. Realmente o nome deste ator não é um chamariz de público, porém, sua
filmografia é bem interessante e foi enriquecida quando ele experimentou a
carreira de diretor. Sua estreia no cargo ocorreu em 1982, mas não deve ter
sido uma boa experiência afinal de contas ele demorou quase duas décadas para
repeti-la. Sendo assim, podemos considerar que ele praticamente iniciou sua
carreira na direção de longas-metragens com A Mão do Diabo, um
suspense digno de elogios, mas é uma pena que até hoje poucos deram bola à essa
obra. É muito raro que alguém consiga se dar bem logo em seus primeiros
trabalhos atrás das câmeras, ainda mais explorando um combalido gênero, mas
Paxton surpreende com uma direção segura e inesperada. A atmosfera que ele
criou consegue ser tensa e ao mesmo tempo melancólica e sua narrativa
comunica-se perfeitamente com as plateias contemporâneas ainda que preservando
um delicioso resquício de nostalgia impresso no ritmo e no visual. O diretor
também acerta ao não se entregar ao vício desse tipo de produção e carregar seu
trabalho com tintas escuras. As cenas mantêm um clima obscuro até mesmo quando
realizadas sob forte luz solar, graças também a escolha de locações e cenários
que transmitem a perfeita sensação de isolamento geográfico no qual os
protagonistas se encontram. O roteiro do estreante Brent Hanley não é fácil,
exige muita atenção aos detalhes e traz a tona um tema polêmico: o poder de uma
crença sobre uma pessoa sugestionável. A trama já começa de forma intrigante.
No Texas, um homem procura o escritório do FBI afirmando que tem informações a
revelar sobre o serial Killer conhecido como “Mão de Deus” e exige falar com o
investigador Wesley Doyle (Powers Boothe). Fenton Meiks (Matthew McConaughey)
diz que descobriu que seu próprio irmão mais novo, Adam (Levi Kreis), é o tal
assassino e que a pouco ele cometeu suicídio. Como o rapaz chegou aparentando
estar perturbado, no início sua história parece insana, mas o agente decide continuar
ouvindo seus relatos. A partir de então, através de flashbacks, Fenton passa a
narrar as tristes e trágicas lembranças que marcaram a sua infância.
Certo
dia, após ter uma suposta visão divina, seu pai (vivido pelo próprio Paxton e
cujo nome não é revelado), resolve seguir as ordens enviadas e começa a caçar e
a matar os demônios que estão vagando pela região em que vivem disfarçadas como
seres humanos normais, mas todos pecadores. Ainda crianças, Fenton e Adam
(interpretados nesta fase respectivamente por Matthew O’Leary e Jeremy Sumpter)
passam a presenciar o estranho comportamento do pai que parece outra pessoa
quando recebe as tais missões, tomando algumas atitudes que os impactam
negativamente e que não lembravam em nada o homem amoroso e prestativo que os
criava até então. O senhor Meiks começa
a sequestrar pessoas que supostamente estariam em uma lista repassada pelo anjo
mensageiro. O filho mais velho se desespera com o estado de seu pai enquanto o
mais novo também demonstra acreditar nas mensagens do anjo. São visões
antagônicas de uma mesma pessoa. Enquanto um vê o pai como uma ameaça o outro o
enxerga como um grande herói. A narrativa passa a se desenrolar investindo em
uma tensão crescente, porém, jamais atingindo um satisfatório clímax. Contudo,
é louvável que a obra consiga deixar os espectadores roendo as unhas sem apelar
para cenas de violência e sanguinolência explícita, embora os dois garotos
presenciem por várias vezes o pai executando com um machado as pessoas que ele
julga demônios. Os cortes jamais são apresentados. Paxton, lembrando em alguns
momentos a interpretação de Jack Nicholson no clássico O Iluminado, preferiu causar tensão utilizando recursos de câmera e
efeitos sonoros e de edição precisos para causar o impacto necessário para
demarcar as execuções. À medida que esse
homem começa a delegar as missões divinas também aos filhos, seu primogênito se
revolta e o pai no ápice da loucura o aprisiona em um porão que fez o próprio
menino cavar acreditando que ele também pode ser um dos demônios que ele
precisa destruir. Dá para perceber que este não é um filme de terror como o
título pode sugerir, sendo legitimamente um suspense com características que
nos remetem, guardadas as devidas proporções, a obras do mestre Alfred Htichcock
e até mesmo do outrora cultuado M. Night Shymalan afinal de contas a conclusão
faz com que o espectador relembre os detalhes ou até mesmo queira assistir mais
uma vez o filme para juntar as peças necessárias para uma melhor compreensão.
Logo nos primeiros minutos, por exemplo, já temos pistas importantíssimas e o
espectador se sente instigado a acompanhar a história e pode até se surpreender
porque embora o nome de McConaughey seja usado como chamariz, quem carrega o
filme é a o intérprete da sua versão pré-adolescente. Aliás, os dois jovens
atores que vivem Fenton e Adam conseguiram atuações invejáveis e encararam
cenas muito difíceis.
Embora
não exiba cenas de violência explícita, o longa é carregado de dramaticidade e
pressão psicológica, o que para alguns é um ponto negativo pelo fato da
produção envolver ativamente menores de idade. Contudo, os garotos parecem tão
imersos neste tenso universo que as vezes até esquecemos de suas reais idades e
enxergamos dois atores maduros em cena. Isso se deve não apenas ao talento de
ambos, mas também a sensibilidade de Paxton para conduzi-los e aos diálogos e
cenas espertas criadas por Hanley que construiu um roteiro enxuto e eficiente
que se equilibra entre os alicerces dos gêneros policial e suspense. A trama da
investigação pelo FBI ocupa pouco tempo do longa, mas é de suma importância
afinal abre e fecha o trabalho. Você deve estar se perguntando por que um filme
aparentemente repleto de qualidades passou em brancas nuvens na época de seu
lançamento e hoje deve estar juntando poeira em prateleiras de locadoras. A Mão do Diabo realmente é dotado de muitos pontos
positivos, valendo-se principalmente pelas opções estéticas escolhidas, porém,
como já dito, a ausência de um clímax narrativo faz os ânimos do espectador
esfriarem partindo assim rumo a conclusão sem grandes expectativas. Era preciso uma cena forte e impactante entre
os flashbacks para prender ainda mais a atenção do público, mas Paxton neste
caso arriscou uma trucagem. As várias cenas de mortes são apresentadas de forma
escamoteada e a câmera procura focar as reações de Adam e Fenton diante de tais
atrocidade, mas na conclusão todas estas sequências são reapresentadas sob uma
nova e reveladora perspectiva. Dessa forma, o grande problema da fita provavelmente
é a falta de ousadia ou de foco. Trabalha com um viés psicológico, mas não o
aprofunda, assim como também lança questões sobre o fanatismo religioso,
todavia, sem se posicionar entre a verdade ou a mentira a respeito dos
escolhidos por Deus para realizar missões na Terra. Deixando essa pegada
intelectual de lado, eis aqui uma produção que entretém com qualidade e que
merece ser descoberta pelo menos para se fazer uma desintoxicação mental leve
afinal a virose de suspenses ruins e repetitivos é um problema crônico.
Prestigiar aqueles que tentam fazer a diferença vale a pena.
Suspense - 100 min - 2001
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