NOTA 8,0 Animação conquista com seu visual surreal e personagens originais, mas enredo pode não agradar totalmente |
O nome de um dos atores mais excêntricos de Hollywood em
destaque no material publicitário e a estampa de uma criatura que aparentemente
tem olhos esbugalhados segurando um peixe nas mãos só podem indicar uma coisa:
mais um pareceria entre Johnny Depp e o diretor Tim Burton. Errado! O astro
empresta sua voz desta vez para uma animação de Gore Verbinski, o mesmo que o
presenteou com o papel principal da série Piratas do Caribe. Se o ator é famoso
por sua capacidade de mudar completamente seu visual de um trabalho para outro,
nada melhor do que ele mesmo para dublar justamente um camaleão, réptil
conhecido por sua constante mudança de cores dependendo do local ou
circunstâncias em que se encontra. Todavia, o astro fez muito mais pelo
protagonista. Simplesmente ele conseguiu dar profundidade dramática a um
personagem animado, sem que ele precisasse estar presente em cena em carne e
osso. Rango é o primeiro longa-metragem animado da Industrial Light &
Magic, empresa que já conquistou diversos prêmios graças aos efeitos especiais
que criaram para diversos produtos de sucesso como Parque dos Dinossauros. Com argumento do próprio diretor em parceria
com James Ward Byrkit e roteiro de John Logan, a história gira em torno do
personagem-título, um camaleão sem identidade e com intenções artísticas que
passou boa parte de sua vida dentro de um aquário até que acidentalmente foi
parar em uma estrada no meio do deserto. Caminhando em meio a cactos, sob sol
escaldante e passando por alguns contratempos, Rango conhece Feijão, uma
lagarta cheia de personalidade que passa a acompanhá-lo em sua jornada sem
destino. Após um bom tempo eles finalmente chegam a uma cidade chamada Poeira,
local onde os habitantes sofrem com a falta de água. Muito convencido, o réptil
começa a contar um monte de histórias fantásticas e de bravura como se fosse um
herói de filme de faroeste e logo ele é eleito o xerife do vilarejo, assim,
finalmente ele passa a ser reconhecido e se sente realmente importante. Algumas
de suas primeiras obrigações no cargo são resolver o problema da escassez de
água e enfrentar a ira de Bandido Bill e seu bando de malcheirosos do oeste,
mas seu principal desafio na realidade é conhecer a si mesmo e tentar despertar
o herói que existe dentro dele. Ou tal figura corajosa não passa mesmo de uma
criação de sua mente fértil?
Verbinski optou por uma narrativa que concentra nos
personagens os atrativos para a criançada, por exemplo, o camaleão é uma figura
medonha e ao mesmo tempo adorável. Para aqueles que só assistem animações
dubladas em idioma original, neste caso, para variar, não faltam nomes
talentosos emprestando suas vozes aos bizarros personagens, mas neste caso vale
a pena tentar também ver a versão em português disponível em DVD. Atores
profissionais do ramo foram chamados afastando assim a estranheza de ouvir
vozes conhecidas da TV deslocadas (por mais talentosos e esforçados que sejam é
impossível não ouvir e lembrar-se do personagem de uma novela ou da voz de
algum apresentador). Todavia, a história em si e sua ambientação são pratos
cheios para os adultos, principalmente aos amantes do gênero western e para
aqueles que adoram encontrar referências a outros títulos de sucesso em
produções com tom satírico. Da abertura que remete ao clássico antigo Django
até lembranças do clássico moderno Pulp Fiction, passando por diversas citações
a outros filmes de estilo bang-bang, as gags visuais, narrativas e até sonoras
são muito bem-vindas. Apesar de apostar até mesmo no tom solene tão
característico das produções de faroeste, incluindo sua trilha musical
tradicional, é preciso ressaltar que a animação consegue manter um ritmo ágil
principalmente até a metade quando somos brindados com sequências memoráveis
como a cena em que Rango foge das garras de uma ave tendo como proteção uma
garrafa de vidro que não tarda a se quebrar. Só vendo para crer no apuro
técnico. Por outro lado, é certo que o longa pode perder muito de sua graça
quando o espectador não tem uma ampla bagagem cinematográfica para identificar
os focos de sátira. Talvez justamente por isso o longa não tenha caído nas
graças do público infantil. O que era ferramenta para causar risos acabou
levando ao tédio. Os diálogos divertidos e inteligentes casam muito bem com
personagens que carregam conflitos e que fisicamente não se pode dizer que
sejam o sonho de consumo de uma criança. Curiosamente, o longa é produzido pelo
canal infantil por assinatura Nickelodeon, mas está longe de ser um produto que
visa lucrar muito além das bilheterias de cinema ou com vendas de DVD, ou seja,
alimentos, materiais de escola e bonequinhos não fazem parte da previsão de
lucro nem a longo prazo. Por outro lado, também não é um filme que vai
diretamente ao encontro das expectativas do público adulto. O roteiro
impregnado de metáforas e citações pode funcionar inicialmente, mas conforme o
tempo passa começa a ficar cansativo. Existe tanta preocupação em construir uma
história esperta e que alie humor com pequenas doses de drama que no conjunto,
ironicamente, tudo parece um pouco desconjuntado. Até mesmo o clímax do enredo
quando Rango tenta desvendar o mistério da falta d'água deixa a desejar em
emoção e explicações.
Ainda sobre o enredo, vale ressaltar a inserção de
importantes questões sociais e políticas. A cidade de Poeira é um tanto
antiquada e seus habitantes em geral muito suscetíveis a manipulação daqueles
que exercem poder, seja por valentia ou por um cargo público superior. Além
disso, é abordada a importância da água na manutenção do ciclo da vida e as
consequências do progresso exagerado, mas tais mensagens podem simplesmente
passar despercebidas aos olhares mais desatentos ou ainda repudiadas por
aqueles que não concordam que temas “típicos” do universo dos adultos
intervenham em produções que visam o público infantil. Se o roteiro é um tanto
confuso para crianças e se atrapalha com os próprios recursos escolhidos para
causar impacto no espectador adulto, por que então este desenho recebeu vários
elogios e figurou nas listas de muitas premiações como melhor animação do ano
de 2011? A resposta se encontra em uma palavra: diferente. Na parte
técnica e no visual, como já esperado, Rango é de tirar o chapéu e não deixa
nada a dever às produções da cultuada Pixar, ainda que os personagens
coadjuvantes possam causar certa confusão ao espectador devido aos seus
aspectos físicos semelhantes, um problema que se agrava nas sequências em que
há aglomerações. Fora isso, os cenários são excepcionais e consegue transmitir
profundidade as cenas, um feito que poucas animações alcançam. As ações
acontecem em uma região árida que consegue transmitir perfeitamente a sensação
de calor exagerado e do ambiente insólito do deserto e une elementos que fazem
o espectador se sentir dentro de um delírio, de um sonho. Uma gigantesca
torneira ou um peixe de tamanho propositalmente exagerado em meio a uma
paisagem seca são tão surreais que até parecem inspirados em obras de pintores
como Salvador Dalí. O longa prova que para introduzir o espectador em um
universo onírico basta ter criatividade e nem mesmo os famigerados efeitos 3D
se fazem necessários. É uma pena que a ousadia, inventividade e ordenação das
imagens não se reflitam no texto. No final das contas, este desenho é um bom
exemplar de um subgênero, digamos assim. “Filme diferente” deveria ser aceito
para fins de rotulagem, pois este não é o primeiro e nem o último produto do
estilo que não é 100% perfeito (aliás, é bem menos que isso), mas não se pode
deixar que sua criatividade passe em brancas nuvens. Assista e tire suas
próprias conclusões.
Vencedor do Oscar de filme de animação
Vencedor do Oscar de filme de animação
Animação - 107 min - 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este espaço está aberto para você colocar suas críticas ao filme em questão do post. Por favor, escreva o que achou, conte detalhes, quero saber sua opinião. E não esqueça de colocar a sua avaliação do filme no final (Ruim, Regular, Bom ou Excelente).