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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O LABIRINTO DO FAUNO

NOTA 10,0

Diretamente do México, o
mundo ganhou uma bela obra
que dá um novo tempero ao
tema infância versus guerra
Fazer o espectador sonhar e transportá-lo para universos fantásticos onde a imaginação não tem limites é uma das funções que o cinema acumula para si. Em uma época em que bruxinhos, duendes, trolls, feiticeiros e afins invadiram as salas de exibições de todo o mundo com pretensões de agradar adultos e crianças, todos acabamos sendo presenteados com uma jóia rara em meio a mesmice. Não se trata de uma franquia e nem mesmo visa o público infantil. A primeira vista parece uma super produção hollywoodiana, mas na realidade ela é oriunda do México. O Labirinto do Fauno é uma elogiada e premiada obra do cultuado Guillermo Del Toro, cineasta que construiu sua carreira sobre os alicerces da fantasia, ainda que sempre mantenha um pé na realidade. No início da década de 2000, ele já havia surpreendido com A Espinha do Diabo, uma eficiente mistura de suspense e drama histórico passada durante a Guerra Civil espanhola, mesmo cenário que utilizou para contar mais uma história triste sob a ótica imaginativa de uma criança. Roteirizado pelo próprio diretor, foi criado para a obra um mundo fantástico, quase como o de um conto de fadas, para contrastar com a nebulosa e triste realidade do ano de 1944. Transitando entre estes dois ambientes está Ofélia (Ivana Baquero), uma garota que se muda com a mãe Carmem (Ariadne Gil) que está grávida para a casa de seu padrasto, o capitão Vidal (Sergi Lopez). Ele trabalha para as forças fascistas da Espanha em favor dos poderosos com a aprovação da Igreja Católica. Com a Guerra Civil já encerrada, o capitão caça os últimos rebeldes pela região enquanto sonha com o nascimento de seu filho que viverá em uma residência que mais parece um quartel-general repleto de regras, preocupações e nenhuma diversão ou demonstração de carinho. Procurando fugir da melancólica vida que lhe é proporcionada, a menina passa a explorar os arredores de sua nova casa e encontra um labirinto que a leva para uma trilha subterrânea. Guiada por estranhos insetos, Ofélia acaba conhecendo o Fauno (Doug Jones, ator acostumado a atuar sob pesadas maquiagens e figurinos), uma criatura mitológica meio bode e a outra metade humano. Este curioso ser revela que ela na verdade é a princesa de um reino existente debaixo da terra que desejou conhecer a realidade dos seres comuns e as consequências de seus atos. Para retomar o seu lugar de direito, a menina precisa cumprir três tarefas.

Visualmente arrebatador e instigante, pela sinopse fica claro que este não é um programa para crianças. É uma fábula feita sob medida para agradar adultos e plateias com gosto mais refinado, visto que as cópias de cinema e de DVD privilegiaram o idioma original espanhol, o que já descarta uma parcela considerável de público. Apesar das boas intenções, tal medida acabou desagradando uma grande quantidade de curiosos que não gostam de encarar as legendas. Ainda assim, alguns fazem um esforço e embarcam de cabeça neste reino de fantasia que aparentemente é sombrio e perigoso, porém, pode ser mais seguro que a realidade sangrenta que Ofélia conheceu em sua nova moradia. Toda a narrativa é focada nas percepções da menina que usa a descoberta que fez como uma espécie de válvula de escape. Curiosamente, diante de criaturas assustadoras e ambientes em que o terror parece se esconder em qualquer lugar ela não demonstra medo, ao contrário de quando está perto de seu padrasto. Aliás, os intérpretes de tais personagens dão um show de interpretação, um exalando coragem e inocência e o outro amargura e maldade. A jovem ainda está tendo seu caráter desenvolvido e parece compreender que certos aspectos são essenciais para que no futuro seja uma pessoa boa. O capitão é fruto de uma educação agressiva e limitante e reforça a ideia ultrapassada de que um homem deveria passar uma imagem forte e confiante sem deixar transparecer emoções positivas. Del Toro conduz sua história com muita eficácia, dividindo bem o tempo em que realidade e fantasia ocupam a tela. Em nenhum momento sentimos que uma trama se sobressai. É um bate-bola em que uma depende da outra para sobreviver, porém, é óbvio que a ambientação do tal labirinto do título é o grande chamariz, um lugar habitado por seres visualmente inacreditáveis e instigantes, a começar pelo próprio Fauno com uma caracterização de primeira cujo impacto é reforçado pela iluminação com pouca luz que parece esconder detalhes de sua personalidade. Ora desconfiamos que ele é do bem e ora do mal.

Outro ser que se destaca é a criatura pálida que parece a estátua de um alienígena sentado em uma cadeira com as mãos apoiadas em uma mesa. Basta um toque em qualquer coisa pertencente a este misterioso mundo para despertá-la de um sono de longo tempo. A cena em que ela espalma suas mãos para finalmente conseguir abrir seus olhos acabou se tornando uma publicidade e tanto para o longa que do início ao fim é um show de criatividade tanto no texto quanto no visual. Cenários, figurinos e demais elementos de cena parecem ter sido escolhidos meticulosamente e têm seus efeitos potencializados pela câmera do cineasta que optou por trabalhar com uma equipe basicamente mexicana para preservar suas marcas autorais, mas sem deixar de recorrer a trucagens e recursos de Hollywood para fazer, por exemplo, os efeitos especiais que felizmente preservam o aspecto artesanal e realista da obra. Não é a toa que o Oscar agraciou a equipe de maquiagem, direção de arte e a de fotografia. O prêmio de filme estrangeiro inexplicavelmente não foi entregue a este trabalho inovador. Em meio a este espetáculo visual, o diretor deixa marcado seu estilo ao ousar ainda mais no ato final sem medo de desagradar o público. A esta altura, ou melhor, até antes disso, já estamos tão embriagados por aquela atmosfera lúdica e ao mesmo tempo perturbadora que aceitamos tudo o que está por vir. Ficamos de queixo caído a cada nova sequência e já não duvidamos de nada mais que possa acontecer. Para aqueles que gostam de rotular os filmes, podemos dizer que ele é um suspense, embora a carga dramática esteja presente do início ao fim e alguns até interpretem a obra como uma produção de terror. É preciso urgentemente que o cinema crie um novo gênero para catalogar produções do tipo. Poético, onírico, inteligente, assustador, emocionante, gótico, inovador, enfim existe uma centena de palavras que podem expressar tudo que O Labirinto do Fauno representa e cada um deve buscar os adjetivos que melhor representam este filme dentro de si mesmo de acordo com suas percepções. Unanimidade mesmo é apenas o fato de que Del Toro escreveu seu nome e o deste trabalho na História do cinema com letras garrafais e em negrito. Tal qual a protagonista usa a fantasia para esquecer a realidade, aqui está um belo convite para você fazer o mesmo uma, duas, três, quantas vezes quiser. A cada nova exibição certamente algum detalhe ou sensação nova será percebida. 

Vencedor do Oscar de direção de arte, fotografia e maquiagem

Suspense - 112 min - 2006

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