NOTA 9,0 Jovem rebelde e terapeuta ressentido passam a ver a vida com outros olhos através da troca de experiências |
Os gênios incompreendidos sempre intrigaram a ciência e fascinaram
cineastas que enxergaram em diversas histórias verídicas um material fértil
para ser transformado em filmes. Curiosamente, um dos trabalhos mais lembrados
do tipo nasceu das mentes de dois jovens completamente sadios, mas que se
achavam verdadeiros peixes fora d’água no mundo em que viviam. Os hoje
mundialmente famosos Matt Damon e Ben Affleck já se conheciam desde a infância
e batalharam paralelamente pelos seus espaços no mundo do cinema, mas até
meados dos anos 90 só recebiam convites para produções convencionais e na
maioria das vezes nas quais os jovens eram retratados de modo estereotipado ou
debochado. Juntos eles resolveram criar o próprio roteiro dos sonhos, onde
teriam a chance de retratar a geração a qual pertenciam de maneira mais
realista, uma turma que tem sonhos, dúvidas, raiva, amor e inteligência, mas
que nem sempre encontra apoio para mostrar seus talentos ou ser o que gostaria.
O destino ajudou e os escritos chegaram às mãos do ator Robin Williams que fez
a ponte para transformar o sonho dos dois rapazes em realidade. Assim começou a
trajetória de sucesso de Gênio Indomável, longa que
enfrentou com bravura a pressão do Titanic nas principais
premiações de 1998 chegando a ser apontado como um forte candidato as
principais categorias do Oscar. Para os preguiçosos de plantão é muito fácil
ler a sinopse e logo rotular este trabalho como algo no estilo Sociedade
dos Poetas Mortos ou tantos outros filmes que lidam com a relação
mestre e aprendiz na qual cada uma das partes tem a vida enriquecida com as
experiências adquiridas com o convívio com a outra, geralmente pessoas
aparentemente sem nenhum vínculo em comum, mas que pouco a pouco vão descobrindo
afinidades, lembranças ou problemas que os conectam, todavia, essa premissa
neste caso vai além das expectativas. A trama gira em torno de Will Hunting
(Damon), um rapaz que trabalha como faxineiro em uma conceituada universidade,
mas seu comportamento arredio, sempre se metendo em brigas, respondendo com
agressividade e se entregando a bebedeiras acaba por levá-lo à cadeia. É nessa
fase que o matemático Gerald Lambeau (Stellan Skarsgard) descobre que o
adolescente é dotado de uma Inteligência assombrosa. Mesmo sem nunca ter
frequentado as aulas do ensino superior ele é capaz de resolver complexas
equações matemáticas que alguns estudiosos da área levaram anos para chegar ao
resultado final. O professor sabe que sua descoberta tem potencial para ser
reconhecido como um novo gênio, mas precisa domar o rapaz antes de mais nada.
Sabendo que Hunting não tem apoio familiar, o próprio Lambeau decide
ajudá-lo a sair da prisão, mas impõem certas condições. Além de estudar
matemática com ele, o ex-presidiário também deverá se submeter a um tratamento
psicoterapeuta, mas ele simplesmente consegue tirar do sério todos os
profissionais que consulta com sua língua afiada e raciocínio rápido. Após
várias tentativas, finalmente Sean Maguire (Williams), um homem que ainda sofre
com tristezas de seu passado, consegue ser o terapeuta que doma o gênio, mas
isso porque foi muito persistente. O primeiro encontro entre médico e paciente
acabou em discussão, mas pouco a pouco se estabeleceu uma relação de amizade
entre os dois e assim Hunting encontra o apoio necessário para reavaliar suas
atitudes e questionar seus valores. Durante esse período de tratamento a mais
nova mente brilhante acaba se apaixonando por Skylar (Minnie Driver), uma
estudante de medicina de boa família, mas o que era para ser uma alegria acaba
se tornando sofrimento. Ressentido ainda pela rejeição que sofreu dos pais,
Hunting percebe que o medo de ser abandonado por quem ele se afeiçoa é seu
principal problema, assim ele não consegue se entregar totalmente ao amor, o
que o desestrutura em outros aspectos de sua vida. Um pupilo com capacidades
intelectuais impressionantes tendo seu destino mudado através da ajuda de uma
espécie de mentor já era na época um tema bastante clichê do cinema, mas o
roteiro inteligente consegue dar um novo gás à premissa fugindo de situações
previsíveis e esquemáticas para levar o espectador às lágrimas gratuitamente.
As sutis mudanças dos personagens tratam de envolver quem assiste de modo que
não percebemos as transformações de modo repentino. Tudo é desenvolvido na base
da emoção e da força dos diálogos, principalmente os travados entre Damon e
Williams, este surpreendendo com a introspecção e dramaticidade de seu
personagem, trabalho merecidamente recompensado com o Oscar de Melhor Ator
Coadjuvante. Quem acompanha a carreira de Damon e Affleck também pode se
divertir encontrando semelhanças propositais entre seus personagens e seus
históricos profissionais, como uma brincadeira envolvendo o filme Procura-se
Amy, até então o trabalho mais relevante da dupla como intérpretes.
O cineasta Gus van Sant na época colecionava trabalhos elogiados com
temáticas inquietantes e que afrontavam aspectos sociais e morais, como Drugstore
Cowboy e Garotos de Programa, por isso seu nome já era
famoso em festivais e entre cinéfilos. Porém, sua fama extrapolou os limites
dos campos mais intelectuais com esta sua obra que não esconde seu caráter
edificante e por isso mesmo divide opiniões. Para uma turma mais conservadora,
o diretor acabou neste caso se rendendo às fórmulas manipuladoras do cinema
americano e rompendo com seu estilo contestador, mas para um número bem maior
de pessoas ele atingiu o ápice de sua trajetória profissional até aquele
momento. Sant não faz um cinema comum e prefere se aprofundar nas reflexões e
dúvidas de seus personagens procurando não só nos diálogos transmitir
mensagens, mas também através de olhares, expressões faciais e até mesmo
momentos de absoluto silêncio. Embora Williams e Damon sejam os nomes mais
lembrados da produção, é importante ressaltar que todo o elenco tem
performances muito boas não havendo espaço para estrelismos, o que confere à
obra um realismo mais acentuado, uma característica dos filmes menores de
Hollywood. Vale uma ressalva também ao trabalho de Minnie Driver cuja
interpretação é calma inicialmente, mas pouco a pouco sua personagem marca seu
território e tem cenas densas com o protagonista, porém, os elogios que colheu
na época não deixaram sementes e a atriz não conseguiu mais papéis de destaque
depois disso. De qualquer forma, praticamente todo o elenco ainda está na
ativa, mas ainda destacando em seus currículos Gênio Indomável,
uma obra que prova que qualquer argumento batido pode ainda render muito quando
existem mentes criativas no comando, mas neste caso, muito mais que a
inteligência, o que notamos é que o amor pelo trabalho é que faz o sucesso de
qualquer idéia. Com muito esforço dois jovens praticamente desconhecidos
conquistaram a confiança de nomes importantes do mercado de cinema, como a
produtora Miramax, a papa Oscars dos anos 90, ganharam fama e dinheiro. Assim,
tanto no filme em si quanto pela história dos bastidores o público ganha duas
boas lições de vida as quais pode e devem incorporar às suas vidas certos
aspectos. Divirta-se, chore, sinta raiva, dó e reflita. Um mix de emoções
perfeitamente incorporado em um mesmo filme não se encontra facilmente.
Vencedor do Oscar de ator coadjuvante (Robin Williams) e roteiro original.
Vencedor do Oscar de ator coadjuvante (Robin Williams) e roteiro original.
Drama - 126 min - 1997
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