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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

GÊNIO INDOMÁVEL

NOTA 9,0

Jovem rebelde e terapeuta
ressentido passam a ver a
vida com outros olhos através
da troca de experiências
Os gênios incompreendidos sempre intrigaram a ciência e fascinaram cineastas que enxergaram em diversas histórias verídicas um material fértil para ser transformado em filmes. Curiosamente, um dos trabalhos mais lembrados do tipo nasceu das mentes de dois jovens completamente sadios, mas que se achavam verdadeiros peixes fora d’água no mundo em que viviam. Os hoje mundialmente famosos Matt Damon e Ben Affleck já se conheciam desde a infância e batalharam paralelamente pelos seus espaços no mundo do cinema, mas até meados dos anos 90 só recebiam convites para produções convencionais e na maioria das vezes nas quais os jovens eram retratados de modo estereotipado ou debochado. Juntos eles resolveram criar o próprio roteiro dos sonhos, onde teriam a chance de retratar a geração a qual pertenciam de maneira mais realista, uma turma que tem sonhos, dúvidas, raiva, amor e inteligência, mas que nem sempre encontra apoio para mostrar seus talentos ou ser o que gostaria. O destino ajudou e os escritos chegaram às mãos do ator Robin Williams que fez a ponte para transformar o sonho dos dois rapazes em realidade. Assim começou a trajetória de sucesso de Gênio Indomável, longa que enfrentou com bravura a pressão do Titanic nas principais premiações de 1998 chegando a ser apontado como um forte candidato as principais categorias do Oscar. Para os preguiçosos de plantão é muito fácil ler a sinopse e logo rotular este trabalho como algo no estilo Sociedade dos Poetas Mortos ou tantos outros filmes que lidam com a relação mestre e aprendiz na qual cada uma das partes tem a vida enriquecida com as experiências adquiridas com o convívio com a outra, geralmente pessoas aparentemente sem nenhum vínculo em comum, mas que pouco a pouco vão descobrindo afinidades, lembranças ou problemas que os conectam, todavia, essa premissa neste caso vai além das expectativas. A trama gira em torno de Will Hunting (Damon), um rapaz que trabalha como faxineiro em uma conceituada universidade, mas seu comportamento arredio, sempre se metendo em brigas, respondendo com agressividade e se entregando a bebedeiras acaba por levá-lo à cadeia. É nessa fase que o matemático Gerald Lambeau (Stellan Skarsgard) descobre que o adolescente é dotado de uma Inteligência assombrosa. Mesmo sem nunca ter frequentado as aulas do ensino superior ele é capaz de resolver complexas equações matemáticas que alguns estudiosos da área levaram anos para chegar ao resultado final. O professor sabe que sua descoberta tem potencial para ser reconhecido como um novo gênio, mas precisa domar o rapaz antes de mais nada.

Sabendo que Hunting não tem apoio familiar, o próprio Lambeau decide ajudá-lo a sair da prisão, mas impõem certas condições. Além de estudar matemática com ele, o ex-presidiário também deverá se submeter a um tratamento psicoterapeuta, mas ele simplesmente consegue tirar do sério todos os profissionais que consulta com sua língua afiada e raciocínio rápido. Após várias tentativas, finalmente Sean Maguire (Williams), um homem que ainda sofre com tristezas de seu passado, consegue ser o terapeuta que doma o gênio, mas isso porque foi muito persistente. O primeiro encontro entre médico e paciente acabou em discussão, mas pouco a pouco se estabeleceu uma relação de amizade entre os dois e assim Hunting encontra o apoio necessário para reavaliar suas atitudes e questionar seus valores. Durante esse período de tratamento a mais nova mente brilhante acaba se apaixonando por Skylar (Minnie Driver), uma estudante de medicina de boa família, mas o que era para ser uma alegria acaba se tornando sofrimento. Ressentido ainda pela rejeição que sofreu dos pais, Hunting percebe que o medo de ser abandonado por quem ele se afeiçoa é seu principal problema, assim ele não consegue se entregar totalmente ao amor, o que o desestrutura em outros aspectos de sua vida. Um pupilo com capacidades intelectuais impressionantes tendo seu destino mudado através da ajuda de uma espécie de mentor já era na época um tema bastante clichê do cinema, mas o roteiro inteligente consegue dar um novo gás à premissa fugindo de situações previsíveis e esquemáticas para levar o espectador às lágrimas gratuitamente. As sutis mudanças dos personagens tratam de envolver quem assiste de modo que não percebemos as transformações de modo repentino. Tudo é desenvolvido na base da emoção e da força dos diálogos, principalmente os travados entre Damon e Williams, este surpreendendo com a introspecção e dramaticidade de seu personagem, trabalho merecidamente recompensado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Quem acompanha a carreira de Damon e Affleck também pode se divertir encontrando semelhanças propositais entre seus personagens e seus históricos profissionais, como uma brincadeira envolvendo o filme Procura-se Amy, até então o trabalho mais relevante da dupla como intérpretes.

O cineasta Gus van Sant na época colecionava trabalhos elogiados com temáticas inquietantes e que afrontavam aspectos sociais e morais, como Drugstore Cowboy e Garotos de Programa, por isso seu nome já era famoso em festivais e entre cinéfilos. Porém, sua fama extrapolou os limites dos campos mais intelectuais com esta sua obra que não esconde seu caráter edificante e por isso mesmo divide opiniões. Para uma turma mais conservadora, o diretor acabou neste caso se rendendo às fórmulas manipuladoras do cinema americano e rompendo com seu estilo contestador, mas para um número bem maior de pessoas ele atingiu o ápice de sua trajetória profissional até aquele momento. Sant não faz um cinema comum e prefere se aprofundar nas reflexões e dúvidas de seus personagens procurando não só nos diálogos transmitir mensagens, mas também através de olhares, expressões faciais e até mesmo momentos de absoluto silêncio. Embora Williams e Damon sejam os nomes mais lembrados da produção, é importante ressaltar que todo o elenco tem performances muito boas não havendo espaço para estrelismos, o que confere à obra um realismo mais acentuado, uma característica dos filmes menores de Hollywood. Vale uma ressalva também ao trabalho de Minnie Driver cuja interpretação é calma inicialmente, mas pouco a pouco sua personagem marca seu território e tem cenas densas com o protagonista, porém, os elogios que colheu na época não deixaram sementes e a atriz não conseguiu mais papéis de destaque depois disso. De qualquer forma, praticamente todo o elenco ainda está na ativa, mas ainda destacando em seus currículos Gênio Indomável, uma obra que prova que qualquer argumento batido pode ainda render muito quando existem mentes criativas no comando, mas neste caso, muito mais que a inteligência, o que notamos é que o amor pelo trabalho é que faz o sucesso de qualquer idéia. Com muito esforço dois jovens praticamente desconhecidos conquistaram a confiança de nomes importantes do mercado de cinema, como a produtora Miramax, a papa Oscars dos anos 90, ganharam fama e dinheiro. Assim, tanto no filme em si quanto pela história dos bastidores o público ganha duas boas lições de vida as quais pode e devem incorporar às suas vidas certos aspectos. Divirta-se, chore, sinta raiva, dó e reflita. Um mix de emoções perfeitamente incorporado em um mesmo filme não se encontra facilmente.

Vencedor do Oscar de ator coadjuvante (Robin Williams) e roteiro original.

Drama - 126 min - 1997

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