NOTA 6,0 Comédia não se aprofunda nas questões sobre o mundo do jornalismo, mas diverte e tem um elenco talentoso |
Quando a televisão foi inventada logo
surgiram os boatos de que isso significaria o fim do cinema. Os anos passaram e
os dois veículos de comunicação continuam ativos, provavelmente ambos não tão
bem como antigamente, mas é fato que o mundo da TV sempre fascinou cineastas,
roteiristas e produtores. Seja qual for o gênero em que o tema é utilizado,
geralmente as propostas giram em torno da desmistificação do ambiente
televisivo, ou seja, mostrar que se nas imagens que chegam até nossas casas
tudo é perfeito, nos bastidores as coisas podem ser bem diferentes. Problemas
de relacionamento entre os profissionais, divergências de ideias, omissão de
fatos, enfim, muita coisa acontece nos camarins e corredores das emissoras que
não chegam ao conhecimento dos espectadores. Uma Manhã Gloriosa foi
criado para falar do mundo do telejornalismo, mas pelo título já dá para
perceber que o objetivo não é realizar um estudo profundo do tema, no máximo
instigar o espectador a procurar conhecer mais sobre ele. A workaholic Becky
Fuller (Rachel McAdams) é uma produtora de TV que foi demitida inesperadamente,
mas conseguiu uma vaga para tentar alavancar a audiência de um programa matinal
em uma nova emissora a convite do executivo Jerry Barnes (Jeff Goldblum). O
problema é que tal tarefa exigirá muitas mudanças e esforços como, por exemplo,
convencer o premiado, mas odiado, jornalista Mike Pomeroy (Harrison Ford) a
apresentar matérias sobre comportamento, moda, beleza entre outros assuntos
amenos ao lado da ex-miss Arizona, Colleen Peck (Diane Keaton), seu desafeto há
anos. Os dois têm gênios fortes, língua
afiada e não pensam duas vezes antes de começar uma briga. Mesmo com o pepino
em suas mãos de administrar essa guerra de egos, Becky demonstra muito
entusiasmo pelo seu trabalho e se esforçará ao máximo para que o tal programa
matinal conquiste público e se torne respeitável no prazo de apenas seis meses.
Em resumo, o enredo é sobre uma jovem esforçada que quer apresentar o melhor
trabalho possível, mas sempre esbarra na soberba e falta de educação de seus superiores
(alcunha dada simplesmente por eles terem os nomes famosos e colocarem a cara
para bater na frente das câmeras). Premissa conhecida não? As semelhanças com O Diabo Veste Prada não são
coincidências, afinal os dois roteiros são de autoria de Aline Brosh McKenna,
porém, a relação difícil de Diane e Rachel, ou melhor, de suas personagens, não
é tão empolgante quanto o embate entre Meryl Streep e Anne Hathaway, mas dá
para encarar sem problemas.
O diretor Roger Michell, de Um Lugar Chamado Notting Hill, optou por
utilizar neste caso uma estrutura de comédia romântica, inclusive mostrando nos
minutos iniciais as dificuldades pelas quais a mocinha passa durante um
encontro com um rapaz, porém, a vida amorosa dela não é o alvo principal da
produção. Ela até tem interesse por Adam (Patrick Wilson), outro habitante do
mundo de loucuras da TV, mas o roteiro privilegia o objetivo da moça em
realizar-se profissionalmente. Contudo, mesmo com esta leve mudança no perfil
da protagonista em relação a outras do gênero, no fundo este filme é uma colcha
de retalhos de clichês, assim tornando-se um tanto previsível. Todo mundo sabe
que os opostos se atraem e que em determinado momento Becky vai conquistar a
confiança dos veteranos apresentadores e todos vão a passar a trocar
experiências e ideias até que no final os protagonistas não vão apenas se
tornarem profissionais melhores, mas também pessoas mais evoluídas. Completando
a pauta do dia, temos também algumas críticas ao estrelismo, aos programas sem
conteúdo que ocupam espaço na televisão, além de piadinhas ligadas à realidade
e cultura americana. Embora não seja dotado de grandes momentos de humor, este
filme é mais bem rotulado como uma comédia do que uma comédia romântica
propriamente dita. Obviamente a graça fica por conta dos veteranos
protagonistas, ainda que seus personagens não façam jus totalmente às suas
trajetórias profissionais. Ele é o senhor sisudez e ela é a miss antipatia.
Mesmo podendo definir as características do trio principal em uma só palavra
(Becky seria a senhorita trabalho), é certo que eles são desenvolvidos sem
pressa e pouco a pouco vão se tornando mais interessantes, assim como o próprio
roteiro que também gradativamente vai conquistando a atenção do espectador.
Todavia, tem sempre alguém de plantão para procurar pêlo em ovo e críticas
negativas aos atores não faltam espalhadas por aí. Cobram uma veracidade nas
ações de todos eles que aparentemente nem diretor e nem roteirista buscavam,
afinal de contas isto é uma comédia e o inverossímil faz parte da graça. Becky
tem cara de cachorro pidão, é desastrada e fala pelos colarinhos,
características não desejáveis em um bom profissional? O público gosta de ver
os “diferentes” se dando bem, é um estímulo que cobram. Colleen é apresentada
como uma carrasca e de repente começa a aceitar propostas, críticas e
demonstrar ser compreensível? Quando queremos alguma coisa deixamos nosso
egoísmo de lado e a apresentadora quer muito que seu programa faça sucesso,
afinal ela já era uma das âncoras em sua fase de ouro e quer que os bons tempos
voltem. E quanto a Pomeroy, bem, inicialmente ele convence com seu perfil
rabugento, mas precisava ter sido interpretado por algum outro ator já que Ford
é famoso por sua cara amarrada e ausência de senso de humor. No final das
contas parece que ele participou deste trabalho por falta de convite e fez
questão de assim como seu personagem demonstrar que seu talento está muito além
do que lhe foi exigido. Todavia, Diane e Ford divertem em vários momentos,
desde as discussões sobre o conteúdo do programa até as brigas ao vivo durante
a apresentação, passando obviamente pelas críticas venenosas sobre Becky.
Apesar de ser uma comédia, muitos reclamam que
uma boa ideia foi desperdiçada: a discussão sobre o jornalismo atual que na TV
se divide claramente entre os que optam pela seriedade e os que defendem a
união de notícias ao entretenimento. Aparentemente, em qualquer lugar do mundo
a segunda opção é que faz a cabeça dos telespectadores, o que fica claro com o
sucesso de programas que documentam a vida de animais ou viagens e,
infelizmente, aqueles que exploram a desgraça ou o constrangimento alheio.
Pensam que somente nós brasileiros é que somos premiados com programas
ancorados por apresentadores exploradores (Gugu, Ratinho), jornalistas
fanfarrões (Sônia Abrão, Datena) ou profissionais que até tentam fazer
trabalhos com qualidade, mas se tropicam em suas pretensões (Fátima Bernardes,
Ana Maria Braga)? Aliás, Uma Manhã Gloriosa serve até como
uma crítica aos programas das últimas apresentadoras citadas. Ambas possuem
atrações que deveriam alavancar a audiência das manhãs, mas pela futilidade
quase sempre presente em suas pautas acabam afugentando o público, o mesmo
problema do jornalístico fictício inserido neste filme que curiosamente só
recupera seu público ao investir em vulgaridade. Não basta, por exemplo, falar
sobre um remédio de forma explicativa, é preciso mostrar na prática como ele
funciona mesmo que um sujeito precise ficar de quatro para tomar uma injeção ao
vivo. Michell consegue alcançar seu objetivo de oferecer um passatempo
agradável e divertido, mas perdeu realmente a chance de lançar este filme a um
patamar superior ao de uma simples sessão da tarde. O diretor até insere
algumas sequências que deixam claro o duelo entre qualidade versus audiência em
um programa de TV, questões defendidas respectivamente por Pomeroy em conflito
constante com os ideais de Colleen, porém, prefere não jogar lenha na fogueira
das discussões sobre a função social da TV e a qualidade de sua programação.
Podem dizer que foi preguiça por parte do diretor e roteirista em trabalhar
mais a fundo tais temas, mas é bom lembrar que levando o debate adiante a
produção esbarraria em dois pontos conflitantes: provavelmente o mesmo público
que o filme quer conquistar é aquele que não fica um dia sequer sem assistir um
pouquinho que seja de televisão e muitos estúdios de cinema também têm seus
departamentos de produções de TV, alguns inclusive só se sustentam graças aos
canais que possuem ou pelas emissoras que adquirem seus programas. Para comprar
estas brigas só mesmo tendo gente com pulso firme e coragem disposta a gastar
tempo e dinheiro sem visar lucros, mas sim se preocupando em realizar um filme
que tenha uma função a mais que simplesmente entreter e provocar reflexões. Em
todo o caso, deixe o espírito crítico de lado e divirta-se com esta comédia
amena. Pelo menos alguma leve mensagem sobre convivência em grupo é possível
tirar.
Comédia - 107 min - 2010
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