NOTA 8,5 Drama grego envolve o espectador com um enredo emcionante e literalmente bem temperado |
Hoje em dia, felizmente, o
acesso as produções estrangeiras está mais fácil. São várias as distribuidoras
que investem em um segmento que dificilmente gera lucros de encher os cofres,
mas ter tais títulos no catálogo traz prestígio à empresa e certamente atende a
demanda de um nicho especial de público. Essas produções são muito procuradas
em lojas e locadoras por platéias mais intelectuais, estas que geralmente
repudiam a pirataria virtual ou de rua e se interessam em assistir até mais de
uma vez uma mesma obra a fim de absorver o máximo que puderem de conteúdo. A
grande disponibilidade de estrangeiros em DVD acaba fazendo também com que
outros espectadores elevem seu padrão cultural e se engana quem acha que tudo
que não é americano é cabeça demais. A prova disso é O Tempero da Vida, um agradável drama resultado de uma
co-produção entre a Grécia e a Turquia que além de nos presentear com belas
paisagens também nos oferece imagens deliciosas que enchem nossos olhos e boca
de vontade. Não se podia esperar algo diferente a julgar pelo apetitoso título.
Esta produção mescla muito bem o drama com generosas pitadas de humor que fazem
o espectador ficar constantemente com um sorriso no rosto. O enredo gira em
torno da história de um menino turco de origem grega que acaba sendo deportado
de seu país natal com a família, um fato verídico que milhares de pessoas
viveram entre as décadas de 1950 e 1960 devido ao conflito entre os dois
países. Fanis (Georges Corraface) passou sua infância em Istambul
convivendo com seu avô Vassilis (Tassos Bandis), um filósofo culinário que
ensinou ao neto tudo que sabia sobre a arte de cozinhar, alquimia dos temperos
e os mistérios da vida. Quando são obrigados a voltar para Atenas, o avô não
vai junto com os familiares. O garoto então fica na expectativa de quando
voltará a vê-lo e começa a desenvolver o dom para a cozinha, o que irrita seus
pais que acreditam que ele sofre de algum distúrbio e sentem medo do
preconceito que ele pode vir a sofrer e fazem de tudo para evitar que ele
encoste no fogão. Porém, quis o destino que ele não negasse sua vocação e
alguns anos mais tarde já está trabalhando como chefe de cozinha. Mais maduro, acaba
voltando para o lugar em que viveu sua infância devido a morte de seu avô e
reencontra seu primeiro amor, Saime (Basak Koklukaya). As lembranças gostosas
daquele tempo mexem com seu emocional e agora ele tem a chance de colocar em
prática a grande lição que Vassilis lhe deixou: tanto na culinária quanto na
vida é preciso caprichar no tempero para dar mais sabor.
Essa é mais uma história
lembrando que a guerra sempre deixa tristes marcas. O filme tem como pano de
fundo um período triste envolvendo um conflito real e a história da infância do
protagonista deve ser idêntica a de outras milhares de pessoas que foram
deportadas para suas regiões de origem. No caso, forçados a romper uma relação
de cumplicidade e de carinho mútuo, um avô e seu netinho são as vítimas. Eles
conversavam absolutamente sobre tudo no sótão de uma venda de temperos, desde a
vida em família até astronomia e, é claro, culinária, atividade que sempre
marcou a vida de ambos, assim como a trajetória de tantas outras pessoas
espalhadas pelo mundo inteiro. A gastronomia também acompanhou o a evolução do
cinema. A sétima arte sempre gostou de fazer alusão à culinária, seja pela
ambientação do enredo em uma cozinha ou restaurante ou até mesmo por alguns
alimentos que tiveram a honra de virar título, como o chocolate e a cereja. O
cineasta Tassos Boulmetis é mais um a investir nessa relação prazerosa entre o
visual e o paladar desta vez para tratar de assuntos históricos no roteiro que
ele próprio assina e no qual ele expõe as suas memórias a respeito dos
acontecimentos da década de 1950 em seu país natal. É interessante a
intertextualidade que ele consegue lembrando que os temperos também foram
causadores de grandes conflitos durante o processo de desenvolvimento das
sociedades. Artigo de luxo e rentável no passado, hoje só os mais tradicionais
dão o devido valor a eles. Infelizmente não é possível sentir o aroma, mas o
colorido vivo, o clima aconchegante de cozinha e as belas palavras ditas pelo
protagonista nas cenas em que está cozinhando ou lidando com as especiarias se
encarregam de nos deixar com água na boca. A estrutura narrativa adotada também
deve ser destacada. Um menu pontua as fases de vida dos personagens. Aperitivo,
primeiro e segundo pratos e, finalmente, sobremesa. Um cardápio completo que
acompanha Fanis da infância a fase adulta. Ele é vivido por três atores
diferentes, sendo o pequeno Markos Osse quem se destaca com seu olhar curioso e
ingênuo a respeito da família e da arte de cozinhar. A parte final com Fanis
adulto perde um pouco do encanto em relação a sua infância, justamente um
reflexo de que a sua realidade aos quarenta e tantos anos é bem diferente de
quando ele era pequeno e tudo era festa.
Além de dar conta dos
pensamentos e sentimentos deste homem, o roteiro também se preocupa em passar
alguns traços culturais dos turcos, como a obrigação da mulher saber cozinhar
para poder se casar, e toca levemente no assunto jurássico do preconceito que
um homem pode sofrer ao se interessar por assuntos femininos, mas isso sem se tornar
chato ou transformar esses temas nos atrativos principais, mesmo tratamento
dado aos aspectos históricos que motivaram a ruptura da estrutura familiar de
Fanis. Com toda a pinta de filme restrito a um público seleto, esta obra
surpreende com uma narrativa que fisga o espectador de forma sentimental. Só o
fato de praticamente toda ação se passar em uma cozinha ou em torno de uma mesa
farta já é a prova das intenções de Boulmetis, afinal de contas não há melhor
lugar para uma reunião de família ou entre amigos. Tão agradável quanto algumas
horas de distração, conversa fiada e boa comida, esta produção faz o espectador
respirar nostalgia e é praticamente impossível encontrar falhas, só mesmo sendo
muito crítico. O problema mais visível é que o discurso repetitivo sobre os
mistérios da vida e a insistência em relacionar sentimentos e passagens da vida
com as especiarias e afins pode tornar a narrativa um pouco cansativa, mas não
é algo gravíssimo. Apostando em seu delicioso paladar, a produção era a indicação
da Grécia ao Oscar 2006, mas não chegou a ficar entre os finalistas, porém,
faturou dez prêmios no Festival de Cinema Thessaloniki, tradicional premiação
local. O Tempero da Vida está
longe de ser o que a crítica especializada espera de uma produção fora dos
padrões americanos, mas é uma demonstração perfeita que é possível agregar
valores artísticos e de apelo mais comercial visando arrebatar uma quantidade
de público mais expressiva. Uma opção para ser saboreada com prazer e repetidas
vezes. Um trabalho cativante e sentimental e que fisga a atenção do espectador
com seu ar naturalmente acolhedor. Já que muitos consideram a cozinha o melhor
lugar da casa, fique a vontade e deleite-se com esta produção grega, uma
filmografia ainda pouco conhecida, apesar de Hollywood ter se apaixonado pelas
belas paisagens do país entre 2008 e 2010 e investido pesado em produções
passadas por lá, mas para quem se interessa por tradições e a essência de uma
terra desconhecida, nada melhor que um filme legítimo local. E este é um
verdadeiro presente de grego, no bom sentido.
Drama - 108 min - 2003
Eu tenho esse filme aqui!! *.*
ResponderExcluirMas assisti uma única vez... Nem me recordo dos detalhes. :/
Sei que é muito bom, mas preciso rever. =)
Bjs ;)