NOTA 7,0 Clássico monstro ganha oportunidade para aterrorizar novas plateias trazendo de volta um estilo visual nostálgico |
Sinais tristes do passar do
tempo. Para a maior parte dos amantes de cinema deve ser muito revoltante ver
figuras de monstros clássicos da sétima arte hoje não causarem mais expressões
de repúdio ou pavor, mas sim serem idolatrados e adornarem os quartos de adolescentes
através das fotografias de jovenzinhos bonitinhos que brincam de viver vampiros
e lobisomens carismáticos. E a onda não é nova. Os anos 80 e 90 foram marcados
por produtos típicos de sessão da tarde que procuravam unir o universo infanto-juvenil
com o poder de sedução do terror. Por outro lado, vez ou outra surge algum
projeto bacana que tenta trazer de volta a imagem clássica de criaturas que
apavoraram gerações e sendo a Universal Pictures a produtora com o catálogo
mais amplo deste tipo de personagem é sua obrigação resgatá-los do limbo.
Conseguiram com sucesso ressuscitar a Múmia, gerando uma franquia milionária,
mas que em seu último capítulo já demonstrou estar saturada. Se as tentativas
de resgatar o mito de Drácula e seus discípulos por Francis Ford Coppola e John
Carpenter, por exemplo, embora datadas da década de 1990, ainda estavam muito
frescas na memória do público, o jeito era investir em um personagem
relativamente menos explorado nos últimos anos. O Lobisomem, refilmagem
do original de 1941 dirigido por George Waggner, foi um projeto muito
aguardado, mas que deu errado desde sua concepção. As origens cinematográficas
deste monstro são datadas da primeira metade do século 20. Após a famosa crise
financeira de 1929 que abalou o mundo ocidental, tendo reflexos principalmente
no território norte-americano, os executivos da Universal foram buscar
inspiração no cinema de horror característico do Expressionismo Alemão.
Produzidos após a Primeira Guerra Mundial, a ideia era apresentar no escurinho
do cinema algo tão perturbador quanto a realidade para conquistar a sintonia
das plateias. É desta safra os longas originais de todas as criaturas citadas
no início do texto entre tantos outros personagens amedrontadores. Nascidos da
literatura ou a partir das crendices populares, como é o caso do Lobisomem,
tais personagens foram ganhando modificações em seus perfis ao longo dos anos
tornando-se criações de uso universais, tanto que o bichano peludo já foi tema
até de filme brasileiro. Contudo, a bestialidade inerente a personalidade de
todos eles são características dos protagonistas dos filmes originais da citada
produtora americana, tanto que eles são conhecidos como os “Monstros da
Universal”. Por esse breve histórico fica um pouco difícil entender o porquê de
tentarem resgatar produções do tipo, visto que hoje em dia os sádicos humanos
assassinos assustam bem mais e até mesmo porque anos atrás houve uma tentativa
frustrada de reunir o Lobisomem e companhia bela na aventura Van Helsing – O Caçador de Monstro. Por
esses motivos e o tanto de problemas que envolveram a produção do longa
dirigido por Joe Johnston, de Jurassic
park 3, fica claro que a ideia deste projeto veio em momento inoportuno,
embora para quem esteja alheio as fofocas de bastidores a obra até que garante
certa diversão, principalmente para aqueles que apreciam um boa construção de
clima e reconstituição de época. O cineasta fez questão de manter a aura gótica
da obra que lhe serviu de inspiração, assim abusando dos tons escuros nos cenários,
figurinos e até mesmo na fotografia e iluminação, além é claro da trilha sonora
e dos efeitos de sons acompanharem o clima latente de tensão.
Baseado na adaptação original
de Curt Siodmak, o roteiro escrito por Andrew Kevin Walker e finalizado (entenda-se
atendendo exigências para alterações) por David Self procura estabelecer
relações mais profundas entre uma terrível maldição e o passado da família
Talbot. Na era Vitoriana, em Nova York, Lawrence (Benicio Del Toro, também
ocupando a vaga de um dos produtores), um dos herdeiros do clã, é um ator de
teatro que ainda sofre com as memórias da infância, quando sofreu com a precoce
morte da mãe e com os constantes conflitos que tinha com seu pai, o caçador Sir
John Talbot (Anthony Hopkins). Todavia, ele precisa confrontar seu passado
quando ele é procurado por Gwen Conliffe (Emily Blunt), sua futura cunhada,
para ajudá-la a encontrar seu noivo desaparecido. Ao retornar para sua antiga
casa na Inglaterra após mais de duas décadas de ausência e reencontrar o pai,
Lawrence acaba se envolvendo em uma investigação sobre violentas mortes que
coincidentemente ocorrem nas noites de lua cheia, inclusive a do próprio irmão,
e descobre um segredo que mudará para sempre sua vida. Ao ser atacado por um
animal feroz e salvo por uma cigana curandeira (Geraldine Chaplin), Lawrence
passa a sofrer perturbações psicológicas e transformações físicas que afloram
geralmente na presença de Gwen, algo que ninguém de forma alguma sabia justificar.
Paralelo a isso, um inspetor recém-chegado de Londres, Aberline (Hugo Weaving),
começa a investigar o caso da morte de Ben Talbot. Este investigador, aliás, é
uma das novidades da refilmagem. Ele é inspirado em um personagem real, o homem
que investigou os assassinatos cometidos no final do século 19 pelo famoso
Jack, o Estripador. Todavia, sua participação na trama acaba sendo
desnecessária, sendo que suas pré-conclusões para o caso em nada acrescentam de
concreto para o desenrolar da trama. Como em toda boa história com pegada
clássica, o romance não é deixado de lado e é forçado algum clima entre os
personagens Lawrence e Gwen, mas a tentativa é falha por erros da própria
condução da narrativa. Tal personagem feminina deveria ter uma presença
bastante forte afinal ela representaria o que remete às lembranças do passado
envolvendo a trágica morte da Sra.Talbot, fato que estremeceu irremediavelmente
as relações entre um pai e seu filho, mas infelizmente esse é outro gancho
explorado de forma ineficiente ganhando força apenas nos minutos finais quando
acontece um eminente combate mortal entre eles. Para contrabalançar, o roteiro
por outro lado compensa apresentando as variadas reações que a notícia de que
uma fera insaciável está atacando um provinciano vilarejo desperta, nos dando
um panorama dos perfis sociais e intelectuais da época, sobrando até mesmo para
a Ciência ser apedrejada. Bem, fora uma ou outra coisinha, a premissa é bem
interessante, mas seu desenvolvimento infelizmente um tanto truncado e sem uma
linha narrativa bem definida. O início sugere uma obra no melhor estilo gótico,
em algumas situações o tom de aventura toma as rédeas e não mais que de repente
podemos estar diante de um legítimo filme de terror com cenas banhadas a sangue
com direito a mutilações e vísceras expostas, além é claro de em alguns
momentos o roteiro reforçar o traço de drama psicológico.
Não ter um viés bem estipulado
no texto para dar uma melhor direção para todos os envolvidos na produção não
foi o único problema do projeto. Aliás, ter um diretor para determinar prazos e
objetivos foi outro contratempo. Inicialmente o longa seria dirigido por Mark
Romanek, mas ele deixou o projeto devido a divergências sobre o orçamento
disponível. Como em Hollywood o ditado “tempo é dinheiro” é levado a sério,
antes mesmo de ter o básico definido para a realização do longa os produtores
já divulgavam a estreia para meados de 2007, sendo que a data final acabou
sendo no início de 2010. Depois de diversos adiamentos, a obra acabou ficando
estigmatizada, parecia que nem mesmo seus realizadores tinham confiança em seu
sucesso, e os ânimos esfriaram até que seu tardio lançamento a transformou em
apenas mais um filme no meio da multidão. Tanto atraso foi necessário para
atender as exigências dos produtores, que certamente influenciaram para a falta
de unidade não deixando claro se este era um produto para atingir plateias
adultas ou de adolescentes. Na melhor das hipóteses, melhor acreditarmos que
esta é uma produção para saudosistas. Palmas para Johnston que desafiou as
atuais leis do mercado. Em meio a avalanche de efeitos especiais e
tridimensionais, é um verdadeiro deleite poder ver que ainda há profissionais
que não se deixam pressionar. Neste caso, como já dito, o cineasta optou por
manter o visual de O Lobisomem o mais próximo possível do estilo adotado pelas
produções de horror contemporâneas a obra que lhe serviu de inspiração, padrão
que nos anos 70 voltou à moda, mas que rapidamente caiu em desuso novamente. Os
efeitos de computação obviamente estão presentes nesta refilmagem, mas usados
com parcimônia para sustentarem a estética retrô desejada. O emprego da
tecnologia é visível principalmente numa cena-símbolo de transformação de Del
Toro na tal criatura do título, um trabalho de mestre apresentado nos mínimos
detalhes, resultado da experiência de Rick Baker, não a toa o vencedor do
primeiro Oscar da categoria de maquiagem por Um Lobisomem Americano em Londres. No geral, este trabalho não é
avassalador como prometia, mas também está longe do lixo que muitos dizem.
Embora o material tivesse possibilidades de ser trabalhado de forma mais
original privilegiando os conflitos internos e externos de um humano que
descobre de uma hora para a outra que pode se tornar um animal feroz, Johnston
conseguiu equilibrar bem razão e emoção neste projeto que entre tantos
desafetos aos menos tem um fã incondicional: o próprio Del Toro, talvez o único
nome que em momento algum ao menos ameaçou abandonar o projeto. Vale uma
sessão-pipoca com categoria.
Vencedor do Oscar de maquiagem
Terror - 119 min - 2009
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