NOTA 2,5 Exploração de fatos anteriores ao clássico O Exorcista resulta em um filme fraco, confuso e que não faz jus ao título que carrega |
Já é costume que os títulos do
gênero de terror não sejam filhos únicos. Independente de fazerem sucesso ou
não, é quase certo que toda produção do tipo terá sua vida útil ampliada graças
a continuações, podendo ser lançadas inclusive tardiamente. A Casa de Cera e Horror em Amityville são exemplos raros que não ganharam ao menos
uma segunda parte, porém, são refilmagens de produções antigas. Contudo, o
grande temor dos fãs de horror continua sendo o fantasma das sequências.
Dificilmente estas tentativas de mostrar possíveis desdobramentos de uma
história conseguem fazer tanto sucesso quanto a obra original. Será que é por
isso que cerca de três décadas após o lançamento de O Exorcista o diretor Renny Harlin, frustrado já uma vez por tentar
recuperar o prestígio dos filmes de piratas com A Ilha da Garganta Cortada, quis trazer a tona o mesmo frisson
causado pelo realismo e pelas cenas perturbadoras contidos no clássico
setentista de William Friedkin apostando em um prequel? Para quem não sabe,
prequel é a palavra comumente usada para se referir a um filme cujo objetivo é
apresentar fatos que antecederam aos eventos de uma outra obra, ou seja, no
caso de Exorcista- O Início o próprio título já diz tudo. Desde seu
lançamento em 1973, público e crítica se renderam ao poder de atração do até
então mais famoso longa a abordar o tema possessão e ano após ano os cofres do
estúdio e distribuidora Warner foram ficando mais cheios com os dividendos do
trabalho de Friedkin. Não demorou muito e algumas continuações oficiais do
sucesso foram feitas tentando repetir repercussão e bilheterias similares, mas
na realidade se transformaram em verdadeiros fracassos e hoje vivem no total
ostracismo. Isso sem falar nas inúmeras produções lançadas diretamente em fitas
VHS que também beberam na mesma fonte e procuraram aproveitar o boom das
locadoras entre os anos 80 e 90. Ainda assim executivos de cinema sempre
quiseram ganhar mais alguns trocados com a história de possessão e exorcismo
que chocou o mundo todo, mas para a empreitada dar certo era necessário que
essa providencial sequência tivesse alguma ligação com a obra original na qual
o padre Merrin, então vivido por Max Von Sydow, menciona ter encontrado o demônio
frente a frente ainda em sua juventude. A partir deste gancho os escritores
William Wisher e Caleb Carr imaginaram como o tal sacerdote teve seus primeiros
contatos com o tema possessão e o que o levou a se especializar nestes casos.
As intenções eram boas, mas o roteiro finalizado por Alexi Hawley não está a
altura do porte e da importância que este projeto deveria ter.
A trama se passa em 1949, quando,
após abandonar o sacerdócio e perder a fé em Deus ao vivenciar cenas chocantes
de atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial, Lankester Merrin (Stellan
Skarsgard) passa a atuar no campo da arqueologia e recebe de Semelier (Ben
Cross), um colecionador de antiguidades, a missão de ir a uma escavação
promovida pelo governo inglês na região de Turkana, no Quênia. Ele deve
recuperar uma imagem esculpida em pedra que estaria soterrada junto a uma
igreja cristã bizantina erguida logo após a morte de Jesus Cristo e
inexplicavelmente enterrada de cabeça para baixo. No local, o arqueólogo
constata que a construção está intacta como se tivesse sido tragada pela terra
no mesmo dia em que foi concluída, mas alguma coisa muito mais intrigante está
ali escondida. Uma cripta ainda mais antiga é encontrada abaixo da igreja, um
templo de sacrifícios humanos onde há milhares de anos aconteceu um massacre
liderado por um padre, um episódio marcado por uma série de possessões
demoníacas e o culto da tal imagem que Merrin deveria encontrar. Após cumprir
sua tarefa, este descrente da fé não consegue simplesmente virar as costas e ir
embora, pois se sente na obrigação de ajudar a desvendar os eventos mórbidos e
surpreendentes que passam a acontecer com os membros do grupo de escavação e
alguns habitantes da região, como a dilaceração por hienas de uma criança
enquanto a seu irmão nada acontece, este que fica imóvel acompanhando a
impactante cena. Em síntese a trama do prequel soa bem interessante e coesa,
mas é uma pena que essa invenção de fatos misteriosos para justificar o retorno
de Merrin ao campo da fé não chega aos pés da história protagonizada pela
ex-promissora atriz Linda Blair, a garota que ficou estigmatizada por girar a
cabeça, berrar discursos profanos e vomitar sopa de ervilha. Harlin
infelizmente jogou fora uma boa premissa limitando-se a entregar um trabalho convencional,
tecnicamente sem inovações e com sustos fáceis ou totalmente sem efeitos, como
o manjado truque da luz que se apaga inesperadamente ou da rajada violenta de
vento que acabam por anular qualquer impacto do que está por vir. A decepção é
ainda maior quando chegamos ao clímax do longa que seria a possessão de uma
pessoa de forma mais detalhada, mas os efeitos (ou seriam defeitos) especiais
jogam por água baixo qualquer faísca de tensão. Vale lembrar que Friedkin
conseguiu nos anos 70 deixar muita gente sem dormir por um bom tempo usando
trucagens tradicionais e quase artesanais. Hoje podem não causar tanto impacto,
mas ao menos surpreendem, justamente o contrário dos resultados obtidos por
Harlin e seu caldeirão de ideias.
A ausência de clima também é
constante. O suspense raso tenta ganhar a atenção do espectador por vezes apostando
em efeitos sonoros estridentes, uma tentativa de acordá-lo afinal de contas é
bem difícil não se entediar logo nos primeiros vinte minutos do longa, uma
introdução que, diga-se de passagem, já mostra um pouco do caos que é a
narrativa que não raramente foge do contexto. O roteiro é confuso e procura
alinhavar o viés das possessões com a cultura e crendices africanas, além de
forçar uma ligação com acontecimentos reais como as atrocidades do período da
Segunda Guerra Mundial. O resultado é incômodo. Dispara-se para todos os lados,
mas alvo algum é acertado. Durante quase duas horas quem assiste tenta, se não
desistir antes, ligar todos os fatos, mas no final ainda ficam algumas dúvidas
sobre o que realmente aconteceu no tal vilarejo africano, além do fato de ter
que engolir a decepção que é o ápice do conflito entre Merrin e o demônio
encarnado, uma sequência rápida e nada eletrizante. Skarsgard carrega o fardo
de levar o filme nas costas tentando dar alguma dignidade a um projeto fadado
ao fracasso, mas infelizmente não consegue salvar muita coisa. Apesar de ser
uma figura quase onipresente em todo o longa, o intérprete não consegue trazer
emoção e humanidade a seu personagem, mostrando-se muito habituado as
manifestações demoníacas ainda que este fosse teoricamente seu primeiro caso
real de possessão. A justificativa, que não cola, é que sua desenvoltura nestas
situações se deve a sua descrença nesse momento em absolutamente tudo que se
refere a Deus e o Diabo. Como diz o ditado é preciso ver para crer e a lição
que Merrin tira desta aventura macabra na África é que faz a ponte com o longa
setentista. Em suma, de tudo que havia de bom e relevante na obra original
infelizmente não existe o menor resquício em Exorcista – O Início. A
história linear e interessante, os bons truques para assustar, a fotografia,
iluminação e efeitos sonoros claustrofóbicos e, principalmente, o bom texto e a
interpretação afinada do elenco foram substituídos neste produto caça-níquel
por atuações fraquíssimas, narrativa rasteira, sustos decepcionantes e parte
técnica anticlimática. É perceptível que a obra sofreu problemas durante sua
pré e pós-produção, além de possíveis dificuldades durante as filmagens, visto
que houve mudanças no elenco, de diretor e até o próprio roteiro foi reescrito
na última hora. Existem filmes que realmente nunca deveriam ser feitos e eis
aqui um belo exemplo. Pior que o resultado final não se enquadra nem mesmo como
um trash movie, aquelas produções mal feitas que por assumirem sua precariedade
ou equívocos acabam se tornando boas opções. O negócio aqui é levado a sério
demais. Assim este prequel não serve nem mesmo para matar algumas horas ociosas
a não ser que o objetivo seja realmente ter um aliado para pegar no sono.
Terror - 113 min - 2004
Fui na estréia e achei bem meia boca.
ResponderExcluirO roteiro, realmente, é confuso.
Resultado final nota 5.
Este filme terminou por abrir uma espécie de sub-género no interior do cinema de terror.
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
Abraço cinéfilo
Rui Luís Lima