NOTA 8,5 Considerado hoje em dia uma obra-prima, longa foi criticado na época do lançamento devido ao sentimentalismo exagerado |
O cineasta italiano Vittorio De Sica tem um currículo
repleto de obras hoje consideradas clássicas, como Ladrões de Bicicletas e Matrimônio
à Italiana, mas algumas delas curiosamente sofreram repúdio da crítica quando
lançadas, como é o caso do belíssimo drama Os Girassóis da Rússia, obra
injustiçada nos anos 70 sendo acusada de apelativa e de sentimentalismo barato,
algo inaceitável na visão dos especialistas para fazer parte do currículo de um
grande diretor. Também há boatos de que o passado de estilo neorrealista deste
profissional foi deixado de lado neste caso com o único objetivo de fazer um
filme que valorizasse a personagem feminina central, interpretada por Sophia
Loren, não por acaso esposa do produtor da fita, Carlo Ponti. Picuinhas à
parte, felizmente o tempo passou e fez muito bem à produção que ao longo dos
anos acabou conquistando a atenção do público e criando fãs cativos que hoje
querem que as novas gerações se encantem com esta história. Com argumento e
roteiro de Tonino Guerra e Cesare Zavattini, com a colaboração de Gheorghij
Mdivani, a trama se passa em plena época da Segunda Guerra Mundial, quando Giovanna
(Sophia Loren) e Antonio (Marcello Mastroianni) se apaixonam perdidamente e
partem em lua-de-mel, porém, a felicidade dura pouco. Os perigos dos tempos de
confronto se aproximam e o rapaz é obrigado a ir à Rússia para lutar. Os anos
passam e quando os sobreviventes retornam Giovanna se enche de esperanças, mas
seu amado não regressa. Ela é avisada por um soldado que a última vez que ele
viu Antonio seu estado físico estava muito debilitado e dificilmente teria
conseguido sobreviver. Todavia, confiante de que ele está vivo, ela parte para
a Rússia com toda a coragem para encontrá-lo ou ao menos conseguir notícias.
Chegando lá, ela consegue descobrir onde o marido está, mas acaba tendo uma
desagradável surpresa. Ele agora vive na casa de uma moça russa chamada Mascia
(Ludmila Savelyeva) e está levando uma vida muito diferente, justamente um
homem que se declarava inimigo irremediável dos russos. Neste momento, Giovanna
precisa se decidir entre lutar pelo seu amor ou seguir seu caminho sem ele.
Bem, para quem gosta de cinema e tem um repertório cultural
sobre a área, não é segredo nenhum qual será o final desta história, ainda mais
se tratando de uma produção européia. Embora acusem De Sica de se entregar
neste caso aos clichês sentimentais, ele deixa para o final a sua assinatura
definitiva. Os olhares de tristeza e distância que os protagonistas trocam na
última cena em uma estação de trem traduzem os sentimentos de seus personagens
que deixam claro que o amor que eles viveram ficará marcado no coração de
ambos, em menor ou maior grau de intensidade, não importa o que lhes
acontecesse daquele momento em diante. Além de um roteiro simples e eficiente
que condensa vários episódios acerca da vida do casal principal, a produção
também se beneficia de belas imagens das paisagens italianas e russas, como os
campos de girassóis que servem como inspiração para o título da produção, e
merece destaque a maneira como foi apresentada a guerra em algumas sequências,
com cores frias quase beirando o preto e branco e com um efeito semelhante a um
lenço vermelho voando pelas cenas representando o sangue derramado, mas sem
precisar explicitá-lo. Fora tais cenas, apenas desviamos a atenção do
drama principal e reparamos no contexto histórico quando a câmera do cineasta
passeia entre as multidões que ocupam as ruas e as estações ferroviárias de
Nápoles e Moscou. Entre tantos cidadãos comuns, Giovanna torna-se o centro das
atenções na ex-URSS, o exemplo de uma pessoa que está lá perdida e nem mesmo
consegue se comunicar com alguém devido ao idioma desconhecido, um ser humano
vivendo seu drama particular provocado pela guerra. Muitas vezes pensamos no
sofrimento que os conflitos armados provocam somente em ambiente de combate e
nos esquecemos que cada voluntário ou convocado tem sua vida particular e a
vida de todos que o cercam podem sofrer alterações também. Quantas mulheres não
poderiam ter vivido um drama parecido com o de Giovanna? Os Girassóis da Rússia é
um belo filme que merece ser revisto várias vezes ao longo dos anos, pelo menos
para poder ter o prazer de ver dois grandes astros do cinema italiano em cena
ou para apreciarmos uma obra que privilegia a emoção e uma boa
história. Em tempo: a versão lançada no Brasil não apresenta traduções das
falas em russo, o que tira um pouco do brilho deste clássico.
Drama - 102 min - 1970
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