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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

OS GIRASSÓIS DA RÚSSIA

NOTA 8,5

Considerado hoje em dia uma
obra-prima, longa foi criticado
na época do lançamento devido
ao sentimentalismo exagerado
O cineasta italiano Vittorio De Sica tem um currículo repleto de obras hoje consideradas clássicas, como Ladrões de Bicicletas e Matrimônio à Italiana, mas algumas delas curiosamente sofreram repúdio da crítica quando lançadas, como é o caso do belíssimo drama Os Girassóis da Rússia, obra injustiçada nos anos 70 sendo acusada de apelativa e de sentimentalismo barato, algo inaceitável na visão dos especialistas para fazer parte do currículo de um grande diretor. Também há boatos de que o passado de estilo neorrealista deste profissional foi deixado de lado neste caso com o único objetivo de fazer um filme que valorizasse a personagem feminina central, interpretada por Sophia Loren, não por acaso esposa do produtor da fita, Carlo Ponti. Picuinhas à parte, felizmente o tempo passou e fez muito bem à produção que ao longo dos anos acabou conquistando a atenção do público e criando fãs cativos que hoje querem que as novas gerações se encantem com esta história. Com argumento e roteiro de Tonino Guerra e Cesare Zavattini, com a colaboração de Gheorghij Mdivani, a trama se passa em plena época da Segunda Guerra Mundial, quando Giovanna (Sophia Loren) e Antonio (Marcello Mastroianni) se apaixonam perdidamente e partem em lua-de-mel, porém, a felicidade dura pouco. Os perigos dos tempos de confronto se aproximam e o rapaz é obrigado a ir à Rússia para lutar. Os anos passam e quando os sobreviventes retornam Giovanna se enche de esperanças, mas seu amado não regressa. Ela é avisada por um soldado que a última vez que ele viu Antonio seu estado físico estava muito debilitado e dificilmente teria conseguido sobreviver. Todavia, confiante de que ele está vivo, ela parte para a Rússia com toda a coragem para encontrá-lo ou ao menos conseguir notícias. Chegando lá, ela consegue descobrir onde o marido está, mas acaba tendo uma desagradável surpresa. Ele agora vive na casa de uma moça russa chamada Mascia (Ludmila Savelyeva) e está levando uma vida muito diferente, justamente um homem que se declarava inimigo irremediável dos russos. Neste momento, Giovanna precisa se decidir entre lutar pelo seu amor ou seguir seu caminho sem ele.

Já idoso, De Sica conduziu este melodrama tendo como peça de marketing o fato desta provavelmente ter sido a primeira produção cinematográfica ocidental filmada em parte na antiga União Soviética (URSS) em meados da década de 1970, época em que os conflitos bélicos entre países dificultavam coproduções e filmagens em outros territórios. Justamente as cenas filmadas por lá são as mais emocionantes, muito bem fotografadas e com uma bela trilha sonora. Parecia que o cineasta estava disposto a mudar a imagem negativa que o território soviético por anos cativou e procurou captar a região com sua câmera voltada ao positivismo, provando que lá existem pessoas do bem, havia qualidade de vida e que seu dia-a-dia era como o de uma grande metrópole. Além desta importância histórica implícita, o longa também tinha como chamariz dois dos mais famosos e requisitados intérpretes da Itália daquela época. É inegável a química em cena de Sophia e Mastroianni, uma combinação que já havia sido testada pelo diretor em três longas-metragens anteriores, mas aqui tais laços de amizade surgem na tela de maneira tão entusiasmada e natural, como na sequência em que Antonio prepara uma reforçada omelete para Giovanna após a noite de núpcias, que este filme serve até como um documento que comprova uma das parcerias mais famosas da História do cinema. É uma pena que no epílogo existam alguns erros de continuidade e a caracterização de Giovanna colabore para o espectador se confundir com as passagens de tempo (o estilo de penteado dela é o ponto que demarca os períodos para situar o público), mas vale a pena conferir uma brincadeira muito boa que o protagonista masculino faz para tentar escapar de ir para a guerra. Passado esse trecho, em flashback, que apresenta o início do casamento dos protagonistas, diga-se de passagem, em cenas que exageram um pouco no tom cômico, a narrativa fica mais linear e fisga o espectador com situações que apesar de batidas ganham peso devido as interpretações e ao apelo dramático e sentimental que carregam. Sophia aparece valente em busca de seu objetivo, mas também demonstra emoção a cada nova cena e fica latente seu sofrimento quando descobre a verdade sobre o marido não ter voltado da guerra. Uma menininha russa dizendo bom dia em italiano é o estopim para levar as lágrimas essa mulher que sofreu por anos com a ausência do marido, fato que pelo menos a ajudou a melhorar seu relacionamento com a sogra.

Bem, para quem gosta de cinema e tem um repertório cultural sobre a área, não é segredo nenhum qual será o final desta história, ainda mais se tratando de uma produção européia. Embora acusem De Sica de se entregar neste caso aos clichês sentimentais, ele deixa para o final a sua assinatura definitiva. Os olhares de tristeza e distância que os protagonistas trocam na última cena em uma estação de trem traduzem os sentimentos de seus personagens que deixam claro que o amor que eles viveram ficará marcado no coração de ambos, em menor ou maior grau de intensidade, não importa o que lhes acontecesse daquele momento em diante. Além de um roteiro simples e eficiente que condensa vários episódios acerca da vida do casal principal, a produção também se beneficia de belas imagens das paisagens italianas e russas, como os campos de girassóis que servem como inspiração para o título da produção, e merece destaque a maneira como foi apresentada a guerra em algumas sequências, com cores frias quase beirando o preto e branco e com um efeito semelhante a um lenço vermelho voando pelas cenas representando o sangue derramado, mas sem precisar explicitá-lo. Fora tais cenas, apenas desviamos a atenção do drama principal e reparamos no contexto histórico quando a câmera do cineasta passeia entre as multidões que ocupam as ruas e as estações ferroviárias de Nápoles e Moscou. Entre tantos cidadãos comuns, Giovanna torna-se o centro das atenções na ex-URSS, o exemplo de uma pessoa que está lá perdida e nem mesmo consegue se comunicar com alguém devido ao idioma desconhecido, um ser humano vivendo seu drama particular provocado pela guerra. Muitas vezes pensamos no sofrimento que os conflitos armados provocam somente em ambiente de combate e nos esquecemos que cada voluntário ou convocado tem sua vida particular e a vida de todos que o cercam podem sofrer alterações também. Quantas mulheres não poderiam ter vivido um drama parecido com o de Giovanna? Os Girassóis da Rússia é um belo filme que merece ser revisto várias vezes ao longo dos anos, pelo menos para poder ter o prazer de ver dois grandes astros do cinema italiano em cena ou para apreciarmos uma obra que privilegia a emoção e uma boa história. Em tempo: a versão lançada no Brasil não apresenta traduções das falas em russo, o que tira um pouco do brilho deste clássico.

Drama - 102 min - 1970

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