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quarta-feira, 8 de novembro de 2017

EM UM MUNDO MELHOR

NOTA 8,5

A intolerância e a violência
é discutida por duas vias
diferentes, porém,
intimamente conectadas
Todos sabem que vivemos em uma época de intolerância, individualismo e nos acostumamos a conviver com a violência e o ódio. Falar que as coisas vão melhorar e que o ser humano precisa respeitar seu semelhante viraram frases de uso religioso ou de praxe para serem espalhadas na virada de ano. A dinamarquesa Susanne Bier procurou discutir a utopia da paz do mundo tratando o problema em duas vertentes: dentro de um restrito núcleo e outro mais universal. Não se pode esperar que a população mundial mude seu comportamento se cada um não realizar a sua parte e procurar mudar também. Em Um Mundo Melhor é uma obra que pelo título pode vender seu peixe de forma errada. Não é uma draminha edificante qualquer. Seu conteúdo, embora transmita mensagens aos espectadores, pode não ser do agrado de grandes platéias. Um dos protagonistas, por exemplo, confia que um dia os seres humanos passarão a ser mais corretos, respeitosos e éticos, mas sabe que o caminho para chegarmos a esse paraíso na Terra não é fácil e tampouco rápido. A trama nos apresenta à Anton (Mikael Persbrandt), um médico que trabalha em um campo de refugiados na África, mas quando pode ter folga volta para seu país natal, a Dinamarca. Ele tem dois filhos com Marianne (Trine Dyrholm), de quem está se separando, embora contrariado. Elias (Markus Ryggard), seu filho mais velho, sofre com a perseguição no colégio de um garoto maior que ele que se aproveita para humilhá-lo como pode. As coisas mudam quando ele conhece Christian (William Johnk Nielsen), um menino que perdeu a mãe recentemente e agora vive com o pai, Claus (Ulrich Thomsen). Ele acaba de ingressar no mesmo colégio que Elias, mas não se comporta como um novato na turma. Geralmente os recém-chegados se mostram tímidos e um ótimo alvo para chacotas e brincadeiras cruéis, mas com ele a banda toca de outra maneira. Após defender seu novo amigo em uma confusão, Christian é agredido e como vingança dá uma surra no agressor e o ameaça com uma faca. Assim, os garotos criam um forte laço de amizade, mas um episódio com possíveis consequências trágicas pode colocar essa relação em risco assim como suas vidas.

Um dos grandes ganchos deste trabalho é o questionamento feito à cultura da violência e a idéia de mundo perfeito e justiça idealizados de forma distinta por cada pessoa de acordo com sua educação, estilo de vida e vivência. Christian e Anton tentam cada um a seu modo construir o tal mundo melhor que o título sugere. O garoto retraído na verdade é rancoroso, pois acha que a vida não foi justa com ele por causa da morte da mãe e culpa seu pai por isso também. Sem responsabilidade alguma ele extravasa sua raiva do mundo tentando defender aqueles que sofrem, no caso seu amigo da escola, porém, utilizando a violência para revidar atos violentos, sejam eles verbais ou físicos. Já o médico passa muito tempo cuidando de necessitados que vivem em situação de miséria total. Seu ato é muito bonito, mas tanta dedicação ao trabalho acabou não lhe proporcionando a melhor vida pessoal possível. Sua esposa está descontente com a relação e quer se divorciar. Seu filho sofre bullying na escola, uma prova de que a maldade já nasce com todos nós, cabe a cada um saber lidar com ela da melhor maneira possível. Anton, sempre a favor da paz, o aconselha a nunca revidar uma agressão e nem mesmo quando leva um tapa do pai de uma criança com quem seu caçula brigava ele esboça uma reação mais exaltada. Seu lema é "ele bate, você revida e assim começam as guerras". Faz sentido, principalmente para ele que vive cotidianamente com os resultados tristes de uma guerrilha, mas infelizmente no mundo atual soam apenas como palavras tolas. É certo que de uma fagulha uma explosão pode surgir, só não se sabe quando. A cineasta, que já havia tratado sobre consequências da guerra em Brothers e sobre as diferenças entre países do terceiro mundo e o cultuado território europeu em Depois do Casamento, aqui junta os dois temas com um verniz que faz com que nem todos consigam enxergar suas reais intenções. Ela foi ousada ao trazer para o mundo infanto-juvenil problemas que afetam a humanidade como um todo e não é de hoje. Por exemplo, a falta de respeito com seu semelhante em ambiente escolar pode ser manifestada pela necessidade de mostrar ao outro que ele tem de sentir medo de você e obedecê-lo. O alvo dos valentões geralmente são os estudantes retraídos ou que demonstram não aceitar algum defeito de seu físico ou de sua personalidade. A esses casos hoje chamamos de bullying, mas apesar da palavra não ser usual antigamente o problema já existia. A autoridade e humilhações impostas por um jovem a outro são tão graves e sinais claros da degradação do conceito de sociedade quanto as ações de muitos governantes que permitem desigualdades sociais gritantes. Até mesmo o território africano que teimamos a ter como imagem uma região pobre e inóspita também tem sua parte onde a riqueza impera.
A comparação entre a realidade da Dinamarca e a da África resulta em contrastes culturais gritantes, mas não se pode negar que a violência está presente em ambos os países, cada qual manifestando esse lado negativo de uma forma distinta, mas com uma mesma raiz. Se as africanas grávidas sofrem nas mãos de militantes que agem por pura maldade, o mesmo sentimento ruim acaba por reger as atitudes de jovens em outro continente que estudam em bons colégios, vivem em casas confortáveis, não precisam trabalhar desde cedo, porém, isso não é o bastante para eles serem felizes. É preciso manter em regime de submissão quem for possível e estes reagem também de forma violenta, uma forma torpe de buscar certa dignidade e seu lugar na sociedade. Assim Susanne discute estes temas mostrando o lado universal da coisa e sua faceta mais privada. O personagem Anton mostra sua visão mais ampliada do conflito enquanto as crianças representam o microcosmo do problema. Dentro do colégio parece que uma briga é algo momentâneo e sem grandes consequências, mas se ninguém coloca limites pode se tonar rotineiro e ditar o caráter destes jovens no futuro. Claro que o médico civilizado da história não é nenhum anjo de candura, também tem seus erros. Ele pode não recusar prestar socorro a um assassino necessitado, mas ele próprio fazia mal à esposa, esta que acabou decidindo colocar um ponto final na relação. O roteiro de Anders Thomas Jensen é bem realista e acerta em cheio ao mostrar que não existem heróis, ninguém é completamente do bem ou perfeito, enfim que o ser humano está condenado a viver com a constante dualidade. Quando vista sem prestar muita atenção realmente esta obra parece não dizer nada, mas é preciso se ater a narrativa para encontrar a força deste drama. Os personagens são verossímeis e com perfis muito interessantes a serem analisados. Em Um Mundo Melhor é um daqueles filmes feitos para momentos de concentração e para platéias que gostam de reflexão, só assim para compreender as conexões que Susanne desejou estabelecer entre um país miserável e outro elitizado que vive de fachada, pois as mazelas também estão presentes por lá. Não adianta separar como área de negros e a outra de caucasianos de cabelos e olhos claros. Todos estão juntos em um mundo turbulento e perigoso, mas o desejo de um possível mundo melhor permeia nossos sonhos. Como conseguir isso? Bem, tenha certeza que este filme pode levá-lo a refletir sobre, mas não espere respostas prontas.

Vencedor do Oscar de filme estrangeiro

Drama - 119 min - 2010 

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