NOTA 8,0 Ator Edward Burns debutou como diretor em produção simples e eficiente sobre relações pessoais seguindo tradição do cinema independente |
Simplicidade e emoção. Talvez estas duas palavras sejam as
que definam melhor o conceito de filmes independentes, excetuando-se as
produções talhadas para ganhar prêmios no melhor estilo Miramax (aquela
produtora que bombou no passado nas premiações com títulos como Shakespeare
Apaixonado e Chicago). Filmes visualmente simples, mas ricos em
conteúdo, é a melhor forma de um ator conseguir fazer sua estréia na direção e
foi assim que Edward Burns debutou na função de diretor. Em 1995, o cinema
independente americano vivia uma excelente fase após ganhar uma injeção de
ânimo com o sucesso de público e crítica de diversas produções do tipo,
principalmente depois que Quentin Tarantino chegou as principais categorias do
Oscar com seu Pulp Fiction – Tempo de Violência. Ok, emoção no sentido
mais singelo da palavra não é a cara do trabalho citado, mas o fato de ter sido
produzido longe de um grande estúdio e usando bem menos recursos financeiros
que outros blockbusters da época automaticamente classificaram o longa como um
expoente entre os títulos “excluídos” de Hollywood. Assim as portas do mundo
cinematográfico foram abertas para dezenas de novos realizadores que mesmo com
poucos recursos conseguiram produzir e lançar pequenos filmes nos quais o que
mais importa é o texto, a mensagem que a obra quer transmitir. Burns, também
roteirista, lançou exatamente neste período seu primeiro filme como
diretor, Os Irmãos McMullen, um título rejeitado pelo mercado até que se
tornou vencedor do prêmio do Júri do Festival de Sundance. A rejeição dos
exibidores e empresas de vídeo doméstico é explicada pelo mesmo mal que afeta
os longas apresentados nos festivais contemporâneos: a limpeza das imagens, que
podem indicar falta de recursos, e a oscilação entre gêneros, no caso entre o
drama e o humor leve, dois fatores que não inspiram muita confiança e
dificultam cativar o espectador. Todavia, quem gosta de boas histórias e
resolver dispensar um tempinho do seu dia para curtir esta produção certamente
não se arrependerá. Situações distintas são traçadas em histórias paralelas nas
quais três irmãos irlandeses que vivem em Long Island, nos EUA, e levam a sério
o catolicismo passam por dificuldades em seus envolvimentos amorosos. Cada qual
vive uma crise diferente. A intimidade com o tema garante as virtudes da obra
afinal o próprio Burns é filho de imigrantes irlandeses e o segundo de três
filhos. Não por acaso ele assume no longa o papel do filho do meio e dá ao
elenco a segurança necessária, pois sabe bem do que está falando.
Os problemas em comum e a proximidade permitem que os irmãos
expressem seus sentimentos e fraquezas e busquem apoio uns nos outros. Jack
(Jack Mulcahy) está vivendo um casamento à beira da falência com Molly (Connie
Britton), que está pressionando para que eles tenham filhos. Porém, o rapaz não
se sente pronto para ser pai e até dúvida se ama sua esposa ainda já que sente
atração por Ann (Elizabeth P. McKay), com quem tem encontros às escondidas.
Barry (Edward Burns) se dedica totalmente à carreira como roteirista de cinema
e nem pensa em relacionamentos sérios, mas acaba se apaixonando por Audry
(Maxine Bahns), o que pode atrapalhar seus planos profissionais. Já Patrick
(Mike McGlone), o caçula, está dividido entre seguir os ensinamentos da
religião, aliás, é o mais carola de todos entre os irmãos, ou viver
intensamente seu amor pela judia Susan (Shari Albert). Uma gravidez inesperada
e a amizade com a católica Leslie (Jennifer Jostyn) o deixam ainda mais em
dúvida sobre qual caminho seguir. Todo esse carrossel de emoções começa após o
velório do pai quando a mãe deles avisa que está de partida para a Irlanda em
busca de uma paixão da juventude. Aliás, a explicação para a partida da mãe
deles de volta ao país de origem é uma das melhores cenas do longa e explica
melhor a relação dessa família com a fé. Mais a frente é revelado o passado da
união dos pais dos rapazes e novamente entramos no quesito respeito à religião.
Focando a narrativa em seus protagonistas, Burns conseguiu realizar uma obra
que trata com franqueza e clareza sobre amor, família, relacionamentos,
crenças, dúvidas, frustrações, sonhos e amadurecimento, enfim tudo aquilo que
ele provavelmente não encontrava participando de produções hollywoodianas. Na
época o ator não era famoso, aliás, a fama ao que tudo indica ainda não o
alcançou plenamente, mas a oportunidade de atuar, dirigir e escrever em um
mesmo projeto era a chance de progredir a passos largos. Claramente ele prefere
trabalhar com enredos que privilegiem as questões que envolvem relacionamentos
afetivos, sejam eles amorosos ou familiares, tanto que anos mais tarde seguiu o
mesmo caminho em Segunda Chance Para o Amor.
Com alguns momentos divertidos e outros inspirados, é certo
que Os Irmãos McMullen não é nenhuma obra-prima, mas é extremamente
competente e sensível ao tratar de assuntos universais através de uma narrativa
agradável e simples tanto no conteúdo quanto no visual. Com um orçamento
modesto para as filmagens, o que explica a deficiência de qualidades técnicas
na fita, Burns se virou como pôde para realizar o trabalho mais perfeito e
sincero possível, mas em nenhum momento a falta de verba foi problema para este
homem de múltiplas funções. Uma boa história em mãos era o essencial para
realizar o seu desejo que no final das contas talvez tenha extrapolado as suas
próprias expectativas. Para os desatentos, seus filmes podem parecer chatos a
primeira vista, mas vale uma revisão. Sem arriscar no tipo de filmagem e
evitando cenas que destoem do clima da produção, o grande trunfo de seus
trabalhos, ao menos os que ele próprio coloca a mão a na massa, são os roteiros
emocionantes e que retratam situações cotidianas. Assim, podemos até arriscar
dizer que há uma grande influência do cineasta Woody Allen, entre outros, na
filmografia de Burns como diretor que fez um belo e eficiente trabalho de
estréia falando do que conhece melhor. O cotidiano do trio de irmãos certamente
tem fortes pinceladas de realismo. A união deles permite que eles conversem
abertamente sobre problemas, peçam opiniões, discutam e até briguem, mas logo
voltam as boas afinal independente do caminho que irão seguir para suas vidas
de certa forma estarão ligados para sempre. Talvez a única coisa que o público
estranhe seja o apego a religião desses rapazes como se ela regesse suas vidas,
algo raro hoje em dia, mas é bom lembrar que eles são jovens criados na
Irlanda, um país com outros valores e crenças. Vale a pena conferir. Uma
curiosidade: graças ao faturamento satisfatório para o porte deste filme, Burns
conseguiu uma bolada de um estúdio para gastar nas filmagens de Nosso Tipo
de Mulher, seu projeto seguinte como diretor.
Drama - 94 min - 1995
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