Nota 4 Tema polêmico e rico em possibilidades se perde em meio a clichês e indefinição de gênero
Em tempos em que a vida de um ser humano parece não ter valor algum diante dos bens materiais, é até bom assistirmos obras que ressaltem a ideia de que uma morte no trânsito ou em um assalto não deve ser considerada apenas como um número a mais nas estatísticas, mas sim como uma perda irreparável para um núcleo familiar, uma pessoa que jamais terá substituto. Ou será que existiria tal possibilidade? O Enviado procura responder a essa pergunta, mas acaba se enrolado com as inúmeras possibilidades que o tema oferece e pela indefinição entre ser um drama, suspense, terror ou uma ficção científica. O enredo até que tem certa lógica, mas a forma como os atores atuam dá a impressão de que nem eles mesmos sabiam qual seria a conclusão da trama. Contudo, a premissa do roteiro de Mark Bomback é bem interessante. Paul Duncan (Greg Kinnear) e sua esposa Jessie (Rebecca Romijin-Stamos) repentinamente passaram a viver as dores de uma tragédia devido ao falecimento precoce do único filho do casal, Adam (Cameron Bright), que morreu aos oito anos de idade vítima de uma imprudência de um motorista distraído. Não demora muito e o casal é procurado pelo cientista Richard Wells (Robert De Niro) trazendo uma proposta tentadora e ao mesmo tempo duvidosa.
Através da clonagem, Wells poderia trazer Adam de volta a vida de certa forma. Jessie faria uma inseminação artificial e geraria um filho idêntico ao falecido, incluindo as características de personalidade e emocionais, mas para tanto haveria a necessidade de colher uma amostra de células da criança em um período limite antes que todas elas perdessem a vitalidade. Os Duncans hesitam em um primeiro momento, mas a vontade de ter o filho de volta fala mais alto e eles aceitam participar deste experimento clandestino de um laboratório especializado em reprodução humana. Para evitar comentários, o casal muda inclusive de cidade para poder criar o novo Adam (mantiveram o mesmo nome) longe do medo da criança ser apontada como uma aberração. Dessa forma, os Duncan ganharam uma nova chance de ser feliz e tudo corria bem até que o garoto completou oito anos, a mesma idade com a qual o verdadeiro Adam faleceu. Como em qualquer projeto experimental, neste caso não havia total certeza que o resultado final seria livre de problemas ou surpresas. O clone somente tinha a memória do que o original vivenciou até sua morte. A partir de então este novo ser aparentemente tem o livre arbítrio para traçar sua trajetória e passa a demonstrar um comportamento suspeito e agressivo.
Há muitos anos pesquisadores buscam alternativas para aumentar o tempo de vida dos seres humanos e não duvide que já tenha passado pelas mentes de alguns trazer de volta a vida um indivíduo falecido, seja ele no estado original ou lhe dar o poder de nascer de novo literalmente. O tema é bastante complexo, mas parece que oferecer condições e tempo para o espectador refletir não estavam na lista de prioridades do diretor Nick Hamm, que já havia testado o gênero suspense de forma distintas em Filha da Luz e O Buraco. A premissa do projeto tinha tudo para render uma obra relevante e com potencial para se torna cult com o passar do tempo, mas o cineasta fugiu do viés psicológico, ético e científico da situação e investiu em vão em um amontoado de clichês e sustos ineficientes. De qualquer forma, o espectador fica tentado a desvendar qual será o destino ou as verdade por trás do tal experimento. Um clone poderia apresentar uma mudança brusca de comportamento ao atingir a idade máxima a que chegou sua matriz? A alteração seria uma reação biológica ou poderia ser provocada por influência do meio em que este ser vive ou por algum trauma (Adam em certo momento descobre fotos de seu original)? Ou seria este um típico caso de possessão de um espírito maléfico? Infelizmente Hamm não responde a estas indagações resolvendo jogar pistas que podem se encaixar em qualquer uma destas possibilidades, sendo que a última alternativa é a mais explorada visto que o garoto convive com pesadelos e visões.
Em uma primeira apreciação sem compromisso, O Enviado pode funcionar por ter uma trama intrigante e pelo fato do público em geral já estar acostumado a assistir produções cujo desenrolar pode agradar, mas a conclusão é difícil de engolir, o típico filme descartável, mas numa análise mais cuidadosa esta obra revela-se frustrante. Hamm se cercou de absolutamente tudo o que podia para fisgar o espectador fã de suspense. A fotografia, a iluminação e os cenários tratam de preparar o terreno para os sustos que estão por vir, algo comum no gênero, mas que inibe o fator surpresa das situações. Não falta nem mesmo a clássica cena da criança fazendo desenhos sinistros, o que já apontaria algum distúrbio psicológico ou de contato com o mundo sobrenatural. Aliás, Bright parece ter sido escolhido a dedo para provocar medo com seu olhar e expressão sérios. Não por acaso, posteriormente atuou em Reencarnação, um misto de drama e suspense que também coloca em cheque a possibilidade de uma alma voltar à vida no corpo de outra pessoa. Completando a armadilha temos um tema polêmico e que mexe com a razão e o emocional de boa parte da população, céticos no poder da ciência ou não, e temos um grande e premiado ator encabeçando o elenco.
Para os brasileiros uma tentação a mais: o título escolhido. Curto, impactante e esclarecedor, ele tenta fazer uma clara alusão aos clássicos O Exorcista ou O Iluminado, por exemplo. O diretor acrescenta discretamente e de modo visual a religião na trama, não procurando outro caminho tortuoso a explorar, mas se evita o clichê de mostrar exorcismos, por outro lado investe na batida fórmula do casal em crise devido aos problemas do filho. Sempre o pai ou a mãe costuma ficar do lado da criança enquanto o outro passa a afrontar seus próprios sentimentos em busca da verdade. As tentativas em criar rapidamente um laço de tensão com o espectador são tão forçadas que nem mesmo há tempo suficiente para ambientá-lo ao universo dos Duncan. Em meia hora no máximo já chegamos ao ponto crucial do roteiro, eliminando assim inclusive o detalhamento sobre o processo de clonagem. Se optassem pelo viés científico e em mostrar a adaptação do casal a rotina com um novo filho idêntico ao que perderam, mesmo que fosse apenas os primeiros anos de vida, provavelmente os mais críticos, certamente esta obra poderia ter alcançado outro status. O enredo na trilha do suspense também poderia render algo melhor, visto que a revelação final do personagem de De Niro não é das mais escabrosas, mas o caminho escolhido para tanto deixa a desejar.
Suspense - 102 min - 2002
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