NOTA 8,5 Drama espanhol baseado em fatos reais é tocante, esclarece sobre uma grave doença e crítica religião |
Filmes protagonizados por pessoas que estão
sofrendo com algum tipo de câncer existem aos montes. Na intenção de esclarecer
dúvidas e incentivar os diagnósticos precoces até pequenos talentos
interpretando crianças que sofrem com a doença já brilharam no cinema com atuações
comoventes. Por tratar de um assunto difícil e que praticamente mexe com o
emocional de todos, afinal aparentemente ninguém está livre desta doença
silenciosa que pode surgir por inúmeras razões e que ainda a ciência vem
pesquisando, muitas produções do tipo acabam passando em brancas nuvens,
principalmente pelos olhos dos espectadores que recorrem a filmes apenas por
diversão. Bem, se esse é realmente seu objetivo passe bem longe de Um
Caminho de Luz, um drama belíssimo, mas que pouco a pouco nos deixa com
um nó na garganta tamanho o sofrimento da jovem protagonista, uma garotinha
sonhadora, mas ao mesmo tempo muito pé no chão. Vencedor de seis prêmios Goya,
o Oscar Espanhol, esta produção nos emociona até o último minuto, porém, não é
recomendada aos mais críticos e principalmente aos insensíveis que certamente
vão rotular este trabalho como um manipulador de emoções de marca maior. O
longa conta a história de Camino (Nerea Camacho), uma menina de apenas onze
anos que está ao mesmo tempo enfrentando duas situações totalmente opostas e
inéditas para ela: o nascimento do amor e a aproximação da morte. Após ser
diagnosticada erroneamente com simples problemas de coluna, é descoberto que
ela possui um estranho e agressivo tipo de tumor que começa a destruir sua vida
e vai lhe privando pouco a pouco de cada uma de suas ilusões e vontades para o
futuro. As visitas aos hospitais e os procedimentos cirúrgicos cada vez se
tornam mais constantes até que Camino fica presa a uma cama definitivamente. A
cada novo obstáculo que a vida lhe coloca, ela se enche de forças e faz suas
orações para não se deixar abater e procura alguma forma de se adaptar as suas
novas condições físicas, vivendo assim cada dia intensamente, ainda que só em
sonhos. Mesmo nestas circunstâncias ela ainda sonha com a peça “Cinderela” que
faria na escola na qual atuaria com o garoto por quem se apaixonou. A narrativa
tem alguns momentos mais lúdicos e que dão um respiro ao espectador graças a
inserção de cenas do desenho da Disney e até mesmo da peça escolar sobre a gata
borralheira da qual a protagonista participaria. Os sonhos que Camino tem com o
conto clássico, com o garoto que gosta, aqueles em que ela aparece curada,
entre tantos outros, possuem estéticas que lembram ao filme Um Olhar do Paraíso, outro drama no qual
uma jovem menina precisa se acostumar com sua nova realidade e os sonhos surgem
como um alívio. Pena que em ambos os casos a realidade sempre chega de supetão
para acabar com a fantasia.
Este drama de origem espanhola é escrito e
dirigido por Javier Fesser que teve certas dificuldades para concluir o
projeto. Baseado na breve história de vida de Alexia González-Barris, falecida
em 1985, na época das filmagens em processo de beatificação, o longa teve a
oposição da família da garota já que Fesser não pediu autorização para
transformar em filme esta triste, mas ao mesmo tempo bela trajetória. A
negativa dos familiares, embora não tenham notícias que confirmem, pode ser não
só para evitar uma superexposição ainda maior da filha, mas também para impedir
que todos eles virassem notícia. A obra não se dedica apenas a mostrar como um
erro médico pode comprometer uma vida ou os estágios degradantes que um câncer
pode levar uma pessoa, mas também faz duras críticas ao fanatismo religioso e
suas implicações no cotidiano de uma família. Católica fervorosa, a mãe Glória
(Carmem Elias) tenta convencer o marido José (Mariano Venâncio) que a filha
está passando por todo esse sofrimento porque ela é amada por Deus e Jesus e
precisa provar ser merecedora de todo esse carinho. Quando o câncer atinge um
nível mais avançado, o pai já fica mais reticente quanto tais crenças, mas sua
esposa continua apegada a sua fé e quer provar que este problema apareceu em
suas vidas para unir ainda mais o casal. A religiosidade extrema continua com a
opção da irmã mais velha da garota. Nuria (Manuela Vélles) está afastada da
família vivendo em um tipo de convento aperfeiçoando as maneiras como ela pode
servir ao Senhor. Em meio ao sofrimento de Camino, um nome que carrega uma
metáfora implícita, sua família, que ela demonstra amar incondicionalmente, já
pensa em transformá-la em uma mártir e que seu exemplo sirva para solidificar
ainda mais as suas crenças. Será que para sermos amados pelo Criador todos
precisamos sofrer? Glória é tão obcecada por sua religião que não percebe nem
mesmo que sua filha está apaixonada por seu colega do grupo de teatro que se
chama Jesus (Lucas Manzano). Para ela, esse Jesus que ela tanto cita é o filho
de Deus e isso fica explícito em uma boa sacada do roteiro. Quando já está sem
o dom da visão, Camino recebe um papel com a imagem do religioso e uma frase de
conforto. Ela esboça um sorriso, pois em sua cabeça naquele pedaço de papel
estaria a foto de seu primeiro e único amor, mas para sua mãe beata tal reação
seria a confirmação de que ela é uma escolhida, afinal mesmo na escuridão ela
teria reconhecido o senhor Jesus. Tal nome a garotinha repete tantas vezes
enquanto está hospitalizada, que acaba chamando a atenção de Dom Luiz, o
responsável por fomentar os burburinhos sobre a beatificação de Camino.
Tendo o espírito preparado para acompanhar
pouco mais de duas horas desta angustiante, mas ao mesmo tempo lúdica
experiência, é praticamente impossível não sentir por várias vezes um aperto no
coração, lembrar o quanto são importantes certos valores e se questionar sobre
os poderes que uma religião pode exercer. Assumindo seu potencial de dramalhão
de novela sem constrangimentos, é tocante ver a luta de uma criança definhando pouco
a pouco, mas ainda assim sem perder a calma e tampouco deixando de sonhar como
se ela já soubesse o que iria lhe acontecer. Vivendo as emoções e tristezas de
cada dia, Camino acaba passando uma bela mensagem aos espectadores de esperança
e amor à vida. Muitos criticam o fato de a religião ser um tema muito presente
neste filme, talvez até em demasia, assim ele assume, propositalmente ou não, a
alcunha de uma obra religiosa que divide opiniões. Para alguns o enredo é uma
alegoria de exaltação ao catolicismo, lembrando que a religião é predominante
na Espanha. Para outros o fanatismo da crença é camufladamente criticado na
conduta adotada pela família destacada. A mãe é uma católica que para tudo
encontra alguma explicação em sua religião, um exagero que leva seu marido a
viver sentindo-se oprimido. Já a irmã de Camino virou freira por causa de uma
desilusão, mesmo não sentindo ter vocação. Enquanto a protagonista parece um
tanto alheia a esse fanatismo religioso, Fesser consegue com os demais
personagens citados mostrar o lado positivo e o negativo das crenças. Ao mesmo
tempo em que confortam e trazem boas lições, elas também podem se mostrar
manipuladoras e interesseiras. Lidar com o tema religião é perigoso e
facilmente pode provocar discussões. Para quem não é católico, logo os primeiro
minutos do filme podem levá-lo a desistir de continuar assistindo, mas o longa
no fundo é uma história sobre amor e perseverança que se aplica a qualquer ser
humano independe da crença. A crítica ao catolicismo não é restrita. Basta
saber transferir as mensagens e logo podemos compreender que qualquer doutrina
é passível deste julgamento, afinal em todas as religiões existem os fanáticos
que acabam deturpando os ensinamentos. Mesmo com as mensagens subliminares ou
explícitas que podem inflamar os ânimos de alguns, Um Caminho de Luz é um
drama recomendadíssimo para todos aqueles que gostam de histórias humanas e com
conteúdo. Assista sem preconceitos ou amarras, não se deixe cegar pelos
ensinamentos de uma única religião. Sendo católico ou não, amplie seus
horizontes sobre religiosidade, reflita, mas não perca o foco da emoção e deixe
que ela tome conta de você.
Drama - 143 min - 2008
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