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quinta-feira, 21 de abril de 2016

UM CAMINHO DE LUZ

NOTA 8,5

Drama espanhol baseado
em fatos reais é tocante,
esclarece sobre uma grave
doença e crítica religião
Filmes protagonizados por pessoas que estão sofrendo com algum tipo de câncer existem aos montes. Na intenção de esclarecer dúvidas e incentivar os diagnósticos precoces até pequenos talentos interpretando crianças que sofrem com a doença já brilharam no cinema com atuações comoventes. Por tratar de um assunto difícil e que praticamente mexe com o emocional de todos, afinal aparentemente ninguém está livre desta doença silenciosa que pode surgir por inúmeras razões e que ainda a ciência vem pesquisando, muitas produções do tipo acabam passando em brancas nuvens, principalmente pelos olhos dos espectadores que recorrem a filmes apenas por diversão. Bem, se esse é realmente seu objetivo passe bem longe de Um Caminho de Luz, um drama belíssimo, mas que pouco a pouco nos deixa com um nó na garganta tamanho o sofrimento da jovem protagonista, uma garotinha sonhadora, mas ao mesmo tempo muito pé no chão. Vencedor de seis prêmios Goya, o Oscar Espanhol, esta produção nos emociona até o último minuto, porém, não é recomendada aos mais críticos e principalmente aos insensíveis que certamente vão rotular este trabalho como um manipulador de emoções de marca maior. O longa conta a história de Camino (Nerea Camacho), uma menina de apenas onze anos que está ao mesmo tempo enfrentando duas situações totalmente opostas e inéditas para ela: o nascimento do amor e a aproximação da morte. Após ser diagnosticada erroneamente com simples problemas de coluna, é descoberto que ela possui um estranho e agressivo tipo de tumor que começa a destruir sua vida e vai lhe privando pouco a pouco de cada uma de suas ilusões e vontades para o futuro. As visitas aos hospitais e os procedimentos cirúrgicos cada vez se tornam mais constantes até que Camino fica presa a uma cama definitivamente. A cada novo obstáculo que a vida lhe coloca, ela se enche de forças e faz suas orações para não se deixar abater e procura alguma forma de se adaptar as suas novas condições físicas, vivendo assim cada dia intensamente, ainda que só em sonhos. Mesmo nestas circunstâncias ela ainda sonha com a peça “Cinderela” que faria na escola na qual atuaria com o garoto por quem se apaixonou. A narrativa tem alguns momentos mais lúdicos e que dão um respiro ao espectador graças a inserção de cenas do desenho da Disney e até mesmo da peça escolar sobre a gata borralheira da qual a protagonista participaria. Os sonhos que Camino tem com o conto clássico, com o garoto que gosta, aqueles em que ela aparece curada, entre tantos outros, possuem estéticas que lembram ao filme Um Olhar do Paraíso, outro drama no qual uma jovem menina precisa se acostumar com sua nova realidade e os sonhos surgem como um alívio. Pena que em ambos os casos a realidade sempre chega de supetão para acabar com a fantasia.

Este drama de origem espanhola é escrito e dirigido por Javier Fesser que teve certas dificuldades para concluir o projeto. Baseado na breve história de vida de Alexia González-Barris, falecida em 1985, na época das filmagens em processo de beatificação, o longa teve a oposição da família da garota já que Fesser não pediu autorização para transformar em filme esta triste, mas ao mesmo tempo bela trajetória. A negativa dos familiares, embora não tenham notícias que confirmem, pode ser não só para evitar uma superexposição ainda maior da filha, mas também para impedir que todos eles virassem notícia. A obra não se dedica apenas a mostrar como um erro médico pode comprometer uma vida ou os estágios degradantes que um câncer pode levar uma pessoa, mas também faz duras críticas ao fanatismo religioso e suas implicações no cotidiano de uma família. Católica fervorosa, a mãe Glória (Carmem Elias) tenta convencer o marido José (Mariano Venâncio) que a filha está passando por todo esse sofrimento porque ela é amada por Deus e Jesus e precisa provar ser merecedora de todo esse carinho. Quando o câncer atinge um nível mais avançado, o pai já fica mais reticente quanto tais crenças, mas sua esposa continua apegada a sua fé e quer provar que este problema apareceu em suas vidas para unir ainda mais o casal. A religiosidade extrema continua com a opção da irmã mais velha da garota. Nuria (Manuela Vélles) está afastada da família vivendo em um tipo de convento aperfeiçoando as maneiras como ela pode servir ao Senhor. Em meio ao sofrimento de Camino, um nome que carrega uma metáfora implícita, sua família, que ela demonstra amar incondicionalmente, já pensa em transformá-la em uma mártir e que seu exemplo sirva para solidificar ainda mais as suas crenças. Será que para sermos amados pelo Criador todos precisamos sofrer? Glória é tão obcecada por sua religião que não percebe nem mesmo que sua filha está apaixonada por seu colega do grupo de teatro que se chama Jesus (Lucas Manzano). Para ela, esse Jesus que ela tanto cita é o filho de Deus e isso fica explícito em uma boa sacada do roteiro. Quando já está sem o dom da visão, Camino recebe um papel com a imagem do religioso e uma frase de conforto. Ela esboça um sorriso, pois em sua cabeça naquele pedaço de papel estaria a foto de seu primeiro e único amor, mas para sua mãe beata tal reação seria a confirmação de que ela é uma escolhida, afinal mesmo na escuridão ela teria reconhecido o senhor Jesus. Tal nome a garotinha repete tantas vezes enquanto está hospitalizada, que acaba chamando a atenção de Dom Luiz, o responsável por fomentar os burburinhos sobre a beatificação de Camino.

Tendo o espírito preparado para acompanhar pouco mais de duas horas desta angustiante, mas ao mesmo tempo lúdica experiência, é praticamente impossível não sentir por várias vezes um aperto no coração, lembrar o quanto são importantes certos valores e se questionar sobre os poderes que uma religião pode exercer. Assumindo seu potencial de dramalhão de novela sem constrangimentos, é tocante ver a luta de uma criança definhando pouco a pouco, mas ainda assim sem perder a calma e tampouco deixando de sonhar como se ela já soubesse o que iria lhe acontecer. Vivendo as emoções e tristezas de cada dia, Camino acaba passando uma bela mensagem aos espectadores de esperança e amor à vida. Muitos criticam o fato de a religião ser um tema muito presente neste filme, talvez até em demasia, assim ele assume, propositalmente ou não, a alcunha de uma obra religiosa que divide opiniões. Para alguns o enredo é uma alegoria de exaltação ao catolicismo, lembrando que a religião é predominante na Espanha. Para outros o fanatismo da crença é camufladamente criticado na conduta adotada pela família destacada. A mãe é uma católica que para tudo encontra alguma explicação em sua religião, um exagero que leva seu marido a viver sentindo-se oprimido. Já a irmã de Camino virou freira por causa de uma desilusão, mesmo não sentindo ter vocação. Enquanto a protagonista parece um tanto alheia a esse fanatismo religioso, Fesser consegue com os demais personagens citados mostrar o lado positivo e o negativo das crenças. Ao mesmo tempo em que confortam e trazem boas lições, elas também podem se mostrar manipuladoras e interesseiras. Lidar com o tema religião é perigoso e facilmente pode provocar discussões. Para quem não é católico, logo os primeiro minutos do filme podem levá-lo a desistir de continuar assistindo, mas o longa no fundo é uma história sobre amor e perseverança que se aplica a qualquer ser humano independe da crença. A crítica ao catolicismo não é restrita. Basta saber transferir as mensagens e logo podemos compreender que qualquer doutrina é passível deste julgamento, afinal em todas as religiões existem os fanáticos que acabam deturpando os ensinamentos. Mesmo com as mensagens subliminares ou explícitas que podem inflamar os ânimos de alguns, Um Caminho de Luz é um drama recomendadíssimo para todos aqueles que gostam de histórias humanas e com conteúdo. Assista sem preconceitos ou amarras, não se deixe cegar pelos ensinamentos de uma única religião. Sendo católico ou não, amplie seus horizontes sobre religiosidade, reflita, mas não perca o foco da emoção e deixe que ela tome conta de você.

Drama - 143 min - 2008 

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