NOTA 8,5 Edward Norton estreia bem como diretor apostando em comédia romântica leve e com humor refinado |
Quando um ator, contando com toda sua experiência e
convivência com diretores e o cotidiano de um set de filmagens, estaria pronto
para dirigir seu próprio filme? É difícil dizer, mas a maioria dos atores que
pularam da frente para trás das câmeras esperou certo amadurecimento
profissional, mas também pessoal. Poucos foram elogiados, porém, as críticas
negativas recebidas pelos colegas não afastam outros corajosos do objetivo de
ser um grande diretor. Mel Gibson e Kevin Costner deram sorte inicialmente
nesta profissão, inclusive foram vencedores do Oscar como diretores, mas depois
passaram a ser constantes alvos de críticas ferozes. George Clonney parece ser
a realização do sonho de uma mesma pessoa poder atuar e dirigir e ainda colher
elogios, mas quando ele ainda tentava conquistar seu espaço no cinema como
intérprete e se livrar do estigma de ter destruído a franquia do herói Batman
um jovem parecia disposto a quebrar o preconceito dos críticos e do público a
respeito de um profissional que coloca a cara tapa em dobro no campo
cinematográfico. Depois de elogiadas atuações em obras como O Povo Contra Larry
Flint, A Outra História Americana e Clube da Luta, Edward Norton fazia em 2000
sua estreia como diretor no simpático Tenha Fé, comédia romântica que
infelizmente não foi bem acolhida pelos populares, nem mesmo pelos adeptos do
gênero. Dependendo do estado de espírito, em uma primeira exibição você pode
amar ou odiar o filme logo de cara, mas é certo que ele merece um voto de
confiança. Está longe de ser um filme péssimo, mas também não chega a ser
excepcional, embora falte pouco para merecer uma nota 10 considerando o nível
das comédias românticas daquela época e contemporâneas. Apesar dos bons
diálogos, elenco afinado e premissa interessante, o roteiro de Stuart Blumberg
talvez peque por ser politicamente correto ao extremo e a condução de Norton
elegante demais para os padrões do gênero, ou seja, as qualidades e
diferenciais desta obra ironicamente acabam jogando contra ela própria. A trama
gira em torno de Brian Finn (Norton) e Jake Schram (Ben Stiller), dois jovens
dinâmicos e populares que moram em Nova York e são amigos desde a infância.
Ambos escolheram seguir o caminho da fé para nortear suas vidas, inclusive a
profissional. Brian tornou-se padre e Jacob, como gosta de ser chamado, um rabino.
Mesmo defendendo religiões diferentes, os dois continuam
amigos e fora de seus locais de trabalho ninguém consegue imaginar suas
atividades devido ao estilo de vida normal que seguem. Usando roupas modernas ou esportes, jogando
basquete nas horas vagas e até conversando sobre relacionamentos,
definitivamente eles fogem do estereótipo do religioso convencional e até seus
superiores nas congregações não apoiam totalmente a maneira alto astral com que
eles conduzem seus cultos. Os amigos inclusive pretendem fundar um karaokê
juntos para aproximarem os membros de suas comunidades afinal Deus só existe
um. Apesar de moderninhos, a dupla ainda assim se mantêm fiel aos ensinamentos
e tradições de suas religiões. Brian afirma que não sente falta do contato
íntimo com mulheres, pois sabe que fez um juramento de abstinência. Já Jake
precisa se casar o mais rápido possível para ocupar um cargo de suma
importância em sua congregação, porém, a mulher que ele escolher precisa ser
judia e agradar a sua mãe, vivida por Anne Bancroft, e aos demais devotos. A rotina
destes religiosos muda completamente quando Anna Reilly (Jenna Elfman), uma
antiga amiga de colégio e agora uma bela executiva, retorna à cidade, voltando
a ocupar um lugar especial na vida e nos corações de Brian e de Jake formando
um complicado triângulo amoroso. Para quem espera discussões aprofundadas a
respeito de vida religiosa versus vida comum irá se decepcionar, mas para quem
busca um filme leve e despretensioso certamente esta é uma excelente opção que
não apela para cenas e diálogos constrangedores. Ainda bem. Logo no início
quando é apresentado um breve resumo do passado dos protagonistas, evidenciando
as diferenças e semelhanças de suas vidas, fica claro o tom característico da
obra e a relação que une os rapazes desde a infância.
Em pouco mais de duas horas, algo pouco usual e até
ameaçador para uma comédia, o filme expõe os personagens a assuntos ligados à
amizade, devoção, fé e preconceito, mas não abre espaço para reflexão. Tais
temas são jogados no roteiro para alinhavar a história de um triângulo amoroso
nada convencional. Apesar da disputa entre um cristão e um rabino pelo amor de
uma mulher que parece seguir a doutrina do deixe a vida te levar dar certo
ânimo aos clichês das comédias românticas, é certo que a narrativa peca em algo
crucial: aparentemente a mocinha prefere o rapaz que não é o preferido do
público. Ambos os candidatos a namorado são carismáticos e tem seus defeitos e
qualidades, mas obviamente só um levará a melhor. Stiller na época não era famoso
como hoje em dia, mas já demonstrava seu talento para o humor, neste caso um
pouco mais sutil do que apresentou em seus trabalhos seguintes quando passou a apelar
para caras e bocas e humor físico. Já Norton revelou ter um ótimo timing
cômico, mas certamente desapontou os fãs que se acostumaram a vê-lo sempre em
papéis desafiadores. Bem, talvez não exista algo mais difícil para um ator do
que interpretar um cidadão comum. Já Jenna Elfman cumpre seu papel com
dignidade, todavia, sua personagem passa longe do apelo popular dos bons tempos
das mocinhas românticas de Julia Roberts ou das atuais vividas por Reese
Witherspoon. De qualquer forma, o trio funciona, mais até por causa das
atuações masculinas e das piadas acerca dos costumes, dúvidas e curiosidades a
respeito da vida dos religiosos, principalmente quando o assunto é o assédio
feminino e as vontades reprimidas. Aliás, o diretor Milos Formam surge fazendo
uma ponta como um padre que revela à Brian que costuma se apaixonar ao menos
uma vez a cada década, mas que isso é normal e passageiro na vida de um
religioso, isso se ele realmente tiver vocação para a “profissão” que escolheu.
A revelação poderia ser vista como polêmica e até ser usada para turbinar
falsamente a carreira do longa, mas, como já dito, esta obra não é dedicada a reflexões
e sim à diversão. Não é fácil dirigir e atuar ao mesmo tempo, mas Norton venceu
esta prova de fogo com louvor, embora muitos considerem Tenha Fé uma bizarrice em
seu currículo, um projeto muito adocicado para alguém que já havia provado
poder muito mais. Talvez esteja aí o segredo que o levou a aceitar dirigi-lo:
mostrar que também poderia se dar bem em um filme comercial e desafios
aparentes. Com classe, piadas elegantemente provocativas e trama de fácil
assimilação, esta comédia pode não ser daquelas de gargalhar ou de causar
suspiros apaixonados, mas com certeza deixa qualquer um como um sorriso
estampado nos lábios do início ao fim.
Comédia Romântica - 130 min - 2000
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