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segunda-feira, 18 de maio de 2015

TENHA FÉ

NOTA 8,5

Edward Norton estreia bem
como diretor apostando em
comédia romântica leve e
com humor refinado
Quando um ator, contando com toda sua experiência e convivência com diretores e o cotidiano de um set de filmagens, estaria pronto para dirigir seu próprio filme? É difícil dizer, mas a maioria dos atores que pularam da frente para trás das câmeras esperou certo amadurecimento profissional, mas também pessoal. Poucos foram elogiados, porém, as críticas negativas recebidas pelos colegas não afastam outros corajosos do objetivo de ser um grande diretor. Mel Gibson e Kevin Costner deram sorte inicialmente nesta profissão, inclusive foram vencedores do Oscar como diretores, mas depois passaram a ser constantes alvos de críticas ferozes. George Clonney parece ser a realização do sonho de uma mesma pessoa poder atuar e dirigir e ainda colher elogios, mas quando ele ainda tentava conquistar seu espaço no cinema como intérprete e se livrar do estigma de ter destruído a franquia do herói Batman um jovem parecia disposto a quebrar o preconceito dos críticos e do público a respeito de um profissional que coloca a cara tapa em dobro no campo cinematográfico. Depois de elogiadas atuações em obras como O Povo Contra Larry Flint, A Outra História Americana e Clube da Luta, Edward Norton fazia em 2000 sua estreia como diretor no simpático Tenha Fé, comédia romântica que infelizmente não foi bem acolhida pelos populares, nem mesmo pelos adeptos do gênero. Dependendo do estado de espírito, em uma primeira exibição você pode amar ou odiar o filme logo de cara, mas é certo que ele merece um voto de confiança. Está longe de ser um filme péssimo, mas também não chega a ser excepcional, embora falte pouco para merecer uma nota 10 considerando o nível das comédias românticas daquela época e contemporâneas. Apesar dos bons diálogos, elenco afinado e premissa interessante, o roteiro de Stuart Blumberg talvez peque por ser politicamente correto ao extremo e a condução de Norton elegante demais para os padrões do gênero, ou seja, as qualidades e diferenciais desta obra ironicamente acabam jogando contra ela própria. A trama gira em torno de Brian Finn (Norton) e Jake Schram (Ben Stiller), dois jovens dinâmicos e populares que moram em Nova York e são amigos desde a infância. Ambos escolheram seguir o caminho da fé para nortear suas vidas, inclusive a profissional. Brian tornou-se padre e Jacob, como gosta de ser chamado, um rabino.

Mesmo defendendo religiões diferentes, os dois continuam amigos e fora de seus locais de trabalho ninguém consegue imaginar suas atividades devido ao estilo de vida normal que seguem.  Usando roupas modernas ou esportes, jogando basquete nas horas vagas e até conversando sobre relacionamentos, definitivamente eles fogem do estereótipo do religioso convencional e até seus superiores nas congregações não apoiam totalmente a maneira alto astral com que eles conduzem seus cultos. Os amigos inclusive pretendem fundar um karaokê juntos para aproximarem os membros de suas comunidades afinal Deus só existe um. Apesar de moderninhos, a dupla ainda assim se mantêm fiel aos ensinamentos e tradições de suas religiões. Brian afirma que não sente falta do contato íntimo com mulheres, pois sabe que fez um juramento de abstinência. Já Jake precisa se casar o mais rápido possível para ocupar um cargo de suma importância em sua congregação, porém, a mulher que ele escolher precisa ser judia e agradar a sua mãe, vivida por Anne Bancroft, e aos demais devotos. A rotina destes religiosos muda completamente quando Anna Reilly (Jenna Elfman), uma antiga amiga de colégio e agora uma bela executiva, retorna à cidade, voltando a ocupar um lugar especial na vida e nos corações de Brian e de Jake formando um complicado triângulo amoroso. Para quem espera discussões aprofundadas a respeito de vida religiosa versus vida comum irá se decepcionar, mas para quem busca um filme leve e despretensioso certamente esta é uma excelente opção que não apela para cenas e diálogos constrangedores. Ainda bem. Logo no início quando é apresentado um breve resumo do passado dos protagonistas, evidenciando as diferenças e semelhanças de suas vidas, fica claro o tom característico da obra e a relação que une os rapazes desde a infância.

Em pouco mais de duas horas, algo pouco usual e até ameaçador para uma comédia, o filme expõe os personagens a assuntos ligados à amizade, devoção, fé e preconceito, mas não abre espaço para reflexão. Tais temas são jogados no roteiro para alinhavar a história de um triângulo amoroso nada convencional. Apesar da disputa entre um cristão e um rabino pelo amor de uma mulher que parece seguir a doutrina do deixe a vida te levar dar certo ânimo aos clichês das comédias românticas, é certo que a narrativa peca em algo crucial: aparentemente a mocinha prefere o rapaz que não é o preferido do público. Ambos os candidatos a namorado são carismáticos e tem seus defeitos e qualidades, mas obviamente só um levará a melhor. Stiller na época não era famoso como hoje em dia, mas já demonstrava seu talento para o humor, neste caso um pouco mais sutil do que apresentou em seus trabalhos seguintes quando passou a apelar para caras e bocas e humor físico. Já Norton revelou ter um ótimo timing cômico, mas certamente desapontou os fãs que se acostumaram a vê-lo sempre em papéis desafiadores. Bem, talvez não exista algo mais difícil para um ator do que interpretar um cidadão comum. Já Jenna Elfman cumpre seu papel com dignidade, todavia, sua personagem passa longe do apelo popular dos bons tempos das mocinhas românticas de Julia Roberts ou das atuais vividas por Reese Witherspoon. De qualquer forma, o trio funciona, mais até por causa das atuações masculinas e das piadas acerca dos costumes, dúvidas e curiosidades a respeito da vida dos religiosos, principalmente quando o assunto é o assédio feminino e as vontades reprimidas. Aliás, o diretor Milos Formam surge fazendo uma ponta como um padre que revela à Brian que costuma se apaixonar ao menos uma vez a cada década, mas que isso é normal e passageiro na vida de um religioso, isso se ele realmente tiver vocação para a “profissão” que escolheu. A revelação poderia ser vista como polêmica e até ser usada para turbinar falsamente a carreira do longa, mas, como já dito, esta obra não é dedicada a reflexões e sim à diversão. Não é fácil dirigir e atuar ao mesmo tempo, mas Norton venceu esta prova de fogo com louvor, embora muitos considerem Tenha Fé uma bizarrice em seu currículo, um projeto muito adocicado para alguém que já havia provado poder muito mais. Talvez esteja aí o segredo que o levou a aceitar dirigi-lo: mostrar que também poderia se dar bem em um filme comercial e desafios aparentes. Com classe, piadas elegantemente provocativas e trama de fácil assimilação, esta comédia pode não ser daquelas de gargalhar ou de causar suspiros apaixonados, mas com certeza deixa qualquer um como um sorriso estampado nos lábios do início ao fim.

Comédia Romântica - 130 min - 2000 

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