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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

MENINA DOS OLHOS

NOTA 7,0

Comédia segue a risca os
mandamentos do gênero e
sua má reputação não tem
justificativa sólida
O ator Ben Affleck atualmente vive uma fase mais tranquila na carreira após peitar os preconceituosos e assumir a função de diretor em Medo da Verdade e Atração Perigosa, dois filmes bem realizados e que passaram ilesos pela crítica. Podem não ter sido sucessos extraordinários, mas o ajudaram a limpar o seu currículo do passado. Bem, não que sua história no cinema seja uma tragédia, mas quando se dá um passo maior que a perna é preciso tomar cuidado com as consequências. Desde o início da carreira alternando projetos comerciais de pouca visibilidade com outros alternativos ainda mais desconhecidos, sua grande estréia acabou acontecendo em Gênio Indomável, drama no qual atuou e escreveu o roteiro em parceria com o amigo Matt Damon, o protagonista do longa. Um ator que tem a capacidade de roteirizar uma história tão forte conquista um lugar de destaque na indústria cinematográfica, mas então é preciso fazer jus ao lugar que ocupa e é ai que está o problema de Affleck. Dedicando-se a projetos comerciais de sucesso como Armageddon e naufrágios retumbantes como sua parceria com Jennifer Lopez em Contato de Risco, o ator construiu uma carreira pautada pelo óbvio. Foi justamente o longa em que atuou ao lado da atriz e cantora que o colocou definitivamente na lista negra dos críticos e consequentemente do público. Na realidade ele é injustiçado pelo estigma que um Oscar de Melhor Roteiro Original em sua casa lhe trouxe. Para uma pessoa que demonstrou ter inteligência de tal forma, atuar em projetos comerciais no estilo mais do mesmo é algo imperdoável dizem. Aliás, para muitos ele deveria ter investido na escrita e fugido de frente das câmeras, mas será que todos os seus trabalhos são tão ruins quanto pintam? Por exemplo, Menina dos Olhos é uma agradável comédia romântica com todos os elementos básicos do gênero, mas foi recebida a pedradas, ainda hoje é mal avaliada e a culpa é atribuída ao protagonista. Contribui para essa imagem negativa o fato do longa ser dirigido por Kevin Smith, diretor que teve seu nome alçado a uma posição de destaque ao realizar produções alternativas como Procura-se Amy e Dogma. Declaradamente fã de quadrinhos e demais elementos da cultura pop, o cineasta já vinha conquistando uma turma de fãs fiéis que curtiam seu estilo, mas ele surpreendeu ao se entregar ao engessado modo de contar uma história romântica e com final piegas que enfoca a redenção.

A história recicla pela enésima vez o enredo do pai solteiro que precisa se virar com uma criança e ainda dar conta de sua própria vida que obviamente não seguiu os rumos que esperava. Ollie Trinke (Affleck) é um jovem publicitário muito bem sucedido e que aparentemente tem uma vida com tudo do bom e do melhor, mas riqueza não traz felicidade e isso ele comprova quando é surpreendido pela notícia de que sua mulher Gertrude (Jennifer Lopez em uma participação claramente afetiva de tão rápida) faleceu durante o parto da única filha do casal. Além de ter que lidar com a dor da perda agora o rapaz precisa cuidar de uma recém-nascida e decide mudar completamente de vida, até porque as coisas no seu trabalho também desandam. Da agitada Manhattan para os subúrbios de Nova Jersey, o padrão de vida de Trinke cai consideravelmente, mas a alegria da filha Gertie (Raquel Castro) o segura nesta vida pacata já há sete anos. Certo dia, durante uma visita a uma videolocadora, ele conhece Maya (Liv Tyler), a atendente do local que se aproxima dele para fazer uma pesquisa inusitada, mas pouco a pouco ela passa a demonstrar mais interesse em resgatar a alegria desse homem e ensiná-lo a aceitar a vida como ela é e não sonhando com o passado que jamais voltará. Porém, Trinke não compreende bem o recado e procura um antigo colega de trabalho, Arthur Brickman (Jason Biggs), para tentar um novo emprego em sua área de interesse e voltar para a cidade grande. E o final, bem você já sabe como será. Por este resumo já dá para perceber que esta comédia romântica não inova e recicla clichês igualmente a outros títulos que todos os meses chegam aos cinemas e locadoras e muitos deles obtendo repercussões e faturando alto, o que nos leva a crer que o problema estaria mesmo na má fama de Affleck ou para os mais cinéfilos no fato de Smith se “vender” a Hollywood, ainda mais para quem sabe que o ator e o diretor trabalharam juntos no já citado Procura-se Amy. O cineasta era como um retratista de sua geração que levava para o cinema o que observava nas ruas do comportamento dos jovens, mas todos precisam crescer e isso se refletiu em seu trabalho. Foi justamente na época em que se tornou pai que ele finalizava esta produção, o que explica o seu sentimentalismo e convencionalismo. Com diálogos e algumas piadas acima da média para esse tipo de filme, temos aqui uma versão light e mais tradicional do que seria o retrato da juventude do final dos anos 90 e início dos anos 2000. O casal protagonista está na casa dos trinta e poucos anos sem companhia, mas nem por isso saem caçando por aí, o rapaz cria uma filha sozinho fruto de uma relação amorosa de verdade e não de um caso a toa que gerou uma vida por puro descuido e este pai solteiro ainda mantém seus sonhos de ser bem sucedido profissionalmente assim como um dia pensou em sua adolescência. Drogas, bebidas, crimes, hormônios a flor da pele e vocabulário limitado e repleto de palavrões? Nem sinal por aqui e é talvez esse o grande diferencial deste produto. Ser piegas trazendo a tona coisas que andam em falta.
Acostumado a explorar espaços e temas culturais e urbanistas, como se fizesse parte daquela turma que está sempre antenada e curte as novidades do mundo moderno e adapta o antigo para criar modismos, Smith surpreende pela intimidade que demonstra ao explorar uma cidade que transmite uma sensação de bucolismo quase surreal. É difícil imaginar que em solo americano ainda existam áreas onde é possível transitar livremente pelas ruas sem medo de um assalto ou ser atropelado, onde a paisagem ainda guarda espaço para árvores, jardins e casas com visual datado e o cineasta explora suas locações com eficiência. Ele também ganha pontos por fazer rápidas piadas de cunho sexual, mas sem deixar que o assunto tome conta da trama, além de evitar os palavrões tão comuns ao gênero. Se este filme é igual a tantos outros e nem abre espaço para as piadas de gosto duvidoso que costumeiramente fazem o sucesso desse tipo de produto, então porque dar um voto de confiança? É difícil explicar, mas as comédias românticas em geral possuem um sentimentalismo que acaba envolvendo. Talvez seja o fato dos personagens serem bem próximos à realidade e terem seus momentos bons e ruins, seus acertos e erros, enfim passam por situação que se conectam com o espectador, por exemplo, Trinke está ensaiando com a filha um musical para apresentar na escola dela, um mico para qualquer adulto, mas ele está entusiasmado com a idéia para agradar a filha. Quem nunca fez algo que não queria ou passou por uma situação constrangedora para fazer alguém feliz? Pais e mães são os campeões desse quesito. São bobagens desse tipo que deixam as comédias românticas tão saborosas e apreciadas mesmo sabendo o alto teor de sacarose que elas possuem. Já vivemos um dia a dia tão estressante que faz bem assistir estas produções, principalmente porque a maioria sempre traz alguma mensagem de redenção, amor ou paz em sua conclusão. Assim, é completamente errado tachar Menina dos Olhos como uma produção péssima, até porque a maioria que diz isso nem chegou a assistir. Simplesmente é um filme comum e cheio de boas intenções que cumpre o que promete: diverte, emociona e nos deixa com o espírito leve ao chegarmos à conclusão. Curiosidade: Will Smith aparece como ele mesmo a certa altura e seu rápido diálogo com o protagonista é de suma importância para colocar as idéias do rapaz no lugar.
Comédia romântica - 102 min - 2004 

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Um comentário:

  1. Foi muito criticado, mas sabe que eu até gostei. Gosto de Ben Affleck e sua cara de perdido em quase todas as situações.

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