NOTA 7,0 Comédia segue a risca os mandamentos do gênero e sua má reputação não tem justificativa sólida |
O ator Ben Affleck atualmente vive uma fase mais
tranquila na carreira após peitar os preconceituosos e assumir a função de
diretor em Medo da Verdade e Atração Perigosa, dois filmes bem
realizados e que passaram ilesos pela crítica. Podem não ter sido sucessos
extraordinários, mas o ajudaram a limpar o seu currículo do passado. Bem, não
que sua história no cinema seja uma tragédia, mas quando se dá um passo maior
que a perna é preciso tomar cuidado com as consequências. Desde o início da
carreira alternando projetos comerciais de pouca visibilidade com outros
alternativos ainda mais desconhecidos, sua grande estréia acabou acontecendo em
Gênio Indomável, drama no qual atuou
e escreveu o roteiro em parceria com o amigo Matt Damon, o protagonista do
longa. Um ator que tem a capacidade de roteirizar uma história tão forte
conquista um lugar de destaque na indústria cinematográfica, mas então é
preciso fazer jus ao lugar que ocupa e é ai que está o problema de Affleck.
Dedicando-se a projetos comerciais de sucesso como Armageddon e naufrágios retumbantes como sua parceria com Jennifer
Lopez em Contato de Risco, o ator
construiu uma carreira pautada pelo óbvio. Foi justamente o longa em que atuou
ao lado da atriz e cantora que o colocou definitivamente na lista negra dos
críticos e consequentemente do público. Na realidade ele é injustiçado pelo
estigma que um Oscar de Melhor Roteiro Original em sua casa lhe trouxe. Para
uma pessoa que demonstrou ter inteligência de tal forma, atuar em projetos
comerciais no estilo mais do mesmo é algo imperdoável dizem. Aliás, para muitos
ele deveria ter investido na escrita e fugido de frente das câmeras, mas será
que todos os seus trabalhos são tão ruins quanto pintam? Por exemplo, Menina
dos Olhos é uma agradável comédia romântica com todos os elementos
básicos do gênero, mas foi recebida a pedradas, ainda hoje é mal avaliada e a
culpa é atribuída ao protagonista. Contribui para essa imagem negativa o fato
do longa ser dirigido por Kevin Smith, diretor que teve seu nome alçado a uma
posição de destaque ao realizar produções alternativas como Procura-se Amy e Dogma. Declaradamente fã de quadrinhos e demais elementos da
cultura pop, o cineasta já vinha conquistando uma turma de fãs fiéis que
curtiam seu estilo, mas ele surpreendeu ao se entregar ao engessado modo de
contar uma história romântica e com final piegas que enfoca a redenção.
A história recicla pela enésima vez o enredo do pai
solteiro que precisa se virar com uma criança e ainda dar conta de sua própria
vida que obviamente não seguiu os rumos que esperava. Ollie Trinke (Affleck) é
um jovem publicitário muito bem sucedido e que aparentemente tem uma vida com
tudo do bom e do melhor, mas riqueza não traz felicidade e isso ele comprova
quando é surpreendido pela notícia de que sua mulher Gertrude (Jennifer Lopez
em uma participação claramente afetiva de tão rápida) faleceu durante o parto
da única filha do casal. Além de ter que lidar com a dor da perda agora o rapaz
precisa cuidar de uma recém-nascida e decide mudar completamente de vida, até
porque as coisas no seu trabalho também desandam. Da agitada Manhattan para os
subúrbios de Nova Jersey, o padrão de vida de Trinke cai consideravelmente, mas
a alegria da filha Gertie (Raquel Castro) o segura nesta vida pacata já há sete
anos. Certo dia, durante uma visita a uma videolocadora, ele conhece Maya (Liv
Tyler), a atendente do local que se aproxima dele para fazer uma pesquisa
inusitada, mas pouco a pouco ela passa a demonstrar mais interesse em resgatar
a alegria desse homem e ensiná-lo a aceitar a vida como ela é e não sonhando
com o passado que jamais voltará. Porém, Trinke não compreende bem o recado e
procura um antigo colega de trabalho, Arthur Brickman (Jason Biggs), para
tentar um novo emprego em sua área de interesse e voltar para a cidade grande.
E o final, bem você já sabe como será. Por este resumo já dá para perceber que
esta comédia romântica não inova e recicla clichês igualmente a outros títulos que
todos os meses chegam aos cinemas e locadoras e muitos deles obtendo
repercussões e faturando alto, o que nos leva a crer que o problema estaria
mesmo na má fama de Affleck ou para os mais cinéfilos no fato de Smith se
“vender” a Hollywood, ainda mais para quem sabe que o ator e o diretor
trabalharam juntos no já citado Procura-se
Amy. O cineasta era como um retratista de sua geração que levava para o
cinema o que observava nas ruas do comportamento dos jovens, mas todos precisam
crescer e isso se refletiu em seu trabalho. Foi justamente na época em que se
tornou pai que ele finalizava esta produção, o que explica o seu
sentimentalismo e convencionalismo. Com diálogos e algumas piadas acima da
média para esse tipo de filme, temos aqui uma versão light e mais tradicional
do que seria o retrato da juventude do final dos anos 90 e início dos anos
2000. O casal protagonista está na casa dos trinta e poucos anos sem companhia,
mas nem por isso saem caçando por aí, o rapaz cria uma filha sozinho fruto de
uma relação amorosa de verdade e não de um caso a toa que gerou uma vida por
puro descuido e este pai solteiro ainda mantém seus sonhos de ser bem sucedido
profissionalmente assim como um dia pensou em sua adolescência. Drogas,
bebidas, crimes, hormônios a flor da pele e vocabulário limitado e repleto de
palavrões? Nem sinal por aqui e é talvez esse o grande diferencial deste
produto. Ser piegas trazendo a tona coisas que andam em falta.
Acostumado a explorar espaços e temas culturais e
urbanistas, como se fizesse parte daquela turma que está sempre antenada e
curte as novidades do mundo moderno e adapta o antigo para criar modismos,
Smith surpreende pela intimidade que demonstra ao explorar uma cidade que
transmite uma sensação de bucolismo quase surreal. É difícil imaginar que em
solo americano ainda existam áreas onde é possível transitar livremente pelas
ruas sem medo de um assalto ou ser atropelado, onde a paisagem ainda guarda
espaço para árvores, jardins e casas com visual datado e o cineasta explora
suas locações com eficiência. Ele também ganha pontos por fazer rápidas piadas
de cunho sexual, mas sem deixar que o assunto tome conta da trama, além de
evitar os palavrões tão comuns ao gênero. Se este filme é igual a tantos outros
e nem abre espaço para as piadas de gosto duvidoso que costumeiramente fazem o
sucesso desse tipo de produto, então porque dar um voto de confiança? É difícil
explicar, mas as comédias românticas em geral possuem um sentimentalismo que
acaba envolvendo. Talvez seja o fato dos personagens serem bem próximos à
realidade e terem seus momentos bons e ruins, seus acertos e erros, enfim
passam por situação que se conectam com o espectador, por exemplo, Trinke está
ensaiando com a filha um musical para apresentar na escola dela, um mico para
qualquer adulto, mas ele está entusiasmado com a idéia para agradar a filha.
Quem nunca fez algo que não queria ou passou por uma situação constrangedora
para fazer alguém feliz? Pais e mães são os campeões desse quesito. São
bobagens desse tipo que deixam as comédias românticas tão saborosas e
apreciadas mesmo sabendo o alto teor de sacarose que elas possuem. Já vivemos
um dia a dia tão estressante que faz bem assistir estas produções,
principalmente porque a maioria sempre traz alguma mensagem de redenção, amor
ou paz em sua conclusão. Assim, é completamente errado tachar Menina
dos Olhos como uma produção péssima, até porque a maioria que diz isso
nem chegou a assistir. Simplesmente é um filme comum e cheio de boas intenções
que cumpre o que promete: diverte, emociona e nos deixa com o espírito leve ao
chegarmos à conclusão. Curiosidade: Will Smith aparece como ele mesmo a certa
altura e seu rápido diálogo com o protagonista é de suma importância para
colocar as idéias do rapaz no lugar.
Comédia romântica - 102 min - 2004
Foi muito criticado, mas sabe que eu até gostei. Gosto de Ben Affleck e sua cara de perdido em quase todas as situações.
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