NOTA 10,0 Baseado em fatos reais, drama coloca em discussão a pena de morte enfocando tanto o lado da família da vítima quanto do criminoso |
Filmes baseados em fatos reais já contam a seu favor com a
simpatia do público que se interessa nesse tipo de produção, afinal se alguém
teve o desejo de filmá-las significa que existe algo de relevante nos fatos
verídicos (ao menos é o que se espera). Adaptações de livros também já possuem
platéia cativa, assim como interessados em assuntos polêmicos e levados a
tribunais adoram os embates entre defesa e acusação propostos pelo cinema. Se
for possível unir estes três elementos e mais um elenco de primeira em um mesmo
trabalho não há dúvidas de que estamos diante de um grande filme daqueles que
dificilmente se esquece. É essa a receita de Os Últimos Passos de um Homem,
que mesmo beirando duas décadas de seu lançamento continua suscitando polêmicas
e discussões. O tema central é a pena de morte e desde o início o enredo coloca
o espectador a pensar se matar é a saída mais prática e benéfica de se encerrar
um caso. Um julgamento é sempre confiável? O responsável pelo crime não merece
uma chance para se redimir? Matar o criminoso é uma forma de diminuir a
violência provando que a justiça não tem piedade daqueles que erram? Tais
perguntas certamente rondaram a mente do ator e diretor Tim Robbins assim que
ele leu o livro “Dead Man Walking” escrito pela freira Helen Prejean sobre a
experiência que viveu no início dos anos 80 ao se tornar conselheira espiritual
de um condenado à morte. Susan Sarandon, então esposa do cineasta, ganhou o
Oscar vivendo o papel da religiosa que fica em uma encruzilhada diante de uma
questão em que os dois lados do conflito estão certos e ao mesmo tempo errados.
A irmã trabalha em uma comunidade pobre da cidade de Nova Orleans, nos EUA, e
acaba se envolvendo em um caso polêmico. Matthew Poncelet (Sean Penn) está
lutando para provar que é inocente e não participou do assassinato de um casal
de adolescentes e a freira vai até a prisão conhecê-lo e ouvir sua versão da
história. Um pouco relutante no início, ela acaba aceitando tentar ajudá-lo a
se livrar da pena a qual foi condenado: a execução. Assim, esta mulher acaba
sendo o único canal de comunicação deste réu com a sociedade, apesar de ela
mesma não estar convicta de que ele foi preso injustamente. Quando resolve dar
apoio as famílias das vítimas, mas sem desmanchar seu compromisso com Poncelet,
a freira toma contato com histórias dolorosas e recebe duras críticas destas
pessoas. Balançada com tudo isso, ela tenta mudar a opinião desses pais
machucados em relação ao criminoso ao mesmo tempo em que tenta arrancar dele a
verdade sobre o que realmente aconteceu. Convicta de seus valores religiosos,
Helen acredita que por pior que tenha sido em toda a sua vida, este homem deve
ser tratado com humanidade até seu último minuto de vida.
Robbins atuava atrás das câmeras pela segunda vez e
conseguiu demonstrar perfeito domínio tanto para comandar atores como também
para contar uma emocionante e impactante história através de diálogos
inteligentes e olhares trocados pelos protagonistas. Ele próprio tratou de
fazer a adaptação do livro que se tornou um best-seller em 1994 em solo
americano. Conhecido por suas críticas aos regimes políticos americanos e quiçá
mundiais, assim como Susan, o diretor consegue colocar o espectador para pensar
em questões importantes acerca da pena de morte, lei que é regida pela máxima
de que o troco deve ser dado na mesma moeda, ou seja, se uma pessoa tirou a
vida de outra nada mais justo que ela pague com sua vida também. Tal atitude
não irá aliviar totalmente o sofrimento das famílias vitimadas e trará
tristezas para os familiares do executado, mas pode servir como exemplo para
que os criminosos vejam que não ficarão impunes. Ou talvez não. Pesquisas
indicam que as cidades americanas que adotam a tática não tem significativa
redução nas estatísticas de crimes fatais simplesmente porque quem os comete
são desequilibrados mentais que não conseguem entender o “castigo” para quem se
comporta mal. Por outro lado, manter um criminoso vivo custa dinheiro aos
cofres públicos durante o período que ele fica preso e a sociedade
indiretamente pode estar alimentando um bandido tão inescrupuloso quanto aquele
que entrou quando foi enclausurado há anos. É justamente em meio a este
conflito entre razão e emoção que se encontra Helen e a sensibilidade de sua
intérprete consegue fazer com que o espectador viva junto com ela intensamente
este período de indefinição e agonia. Foi a própria religiosa da vida real que
aprovou a escolha de Susan para interpretá-la após um encontro alegando que a
atriz tinha integridade e os princípios com os quais concordava. Não por acaso
a intérprete havia se identificado imediatamente com a história do livro e
convenceu o companheiro a transformá-lo em filme. Na época o casal estava com
relações meio estremecidas com Hollywood devido ao discurso que fizeram no
Oscar de 1993 criticando a maneira com que o governo do Haiti lidava com os
imigrantes soropositivos. Além disso, eles não perdiam a oportunidade de sempre
fazer críticas aos governantes quando concediam entrevistas, mas como diz o
ditado quem ri por último ri melhor e três anos depois lá estava o casal de
volta à premiação da Academia de Cinema em grande estilo e com um trabalho
aclamado pela crítica que, obviamente, não perde a chance de sacudir os alicerces
das leis americanas. Como a pena de morte nunca existiu no Brasil, por pouco o
longa não passou em brancas nuvens por aqui, sendo salvo pelas indicações a
prêmios que sempre seduzem o público.
Se Susan nos deixa de coração apertado nas cenas em que conversa com os pais
das vítimas e nos convence como a mulher corajosa que não tem medo de enfrentar
o olhar perverso do inimigo em busca da verdade, algo que muitos advogados não
se dão ao trabalho, Penn não fica atrás e entrega uma de suas melhores atuações
deixando o espectador na dúvida se ele é ou não culpado pelo crime que o
acusam. Dissimulado, irônico, dramático e ameaçador, o ator consegue agregar em
um só personagem diversos modos de agir que só aumentam nossas expectativas
sobre como tudo isso irá acabar. Ele conseguiria manter até o último minuto
toda a ambiguidade de seu personagem para em um única frase colocar um ponto
final, mas por fim o roteiro opta por um dos caminhos existentes para a
conclusão e o acusado define sua posição, porém em nenhum momento Robbins tenta
manipular o espectador a ser a favor ou não da pena de morte, sendo fiel aos
fatos verídicos mantendo inclusive seu desfecho. Na realidade, o tema aponta
diversos caminhos para serem discutidos, tanto do lado positivo quanto do
negativo. Os Últimos Passos de Um Homem traz a tona os dois lados da
questão sem poupar o espectador de se sentir angustiado pelo sofrimento de
todos os envolvidos, até mesmo de Poncelet. Certamente após subirem os créditos
finais ficamos com os questionamentos habitando nosso inconsciente, afinal
subsídios para nos fazer refletir não faltam, mas uma opinião definitiva sobre
o tema dificilmente tiraremos com base em apenas um caso. O objetivo do longa
também jamais foi criar uma conclusão massiva, afinal cada crime tem suas
particularidades e seu grau de crueldade a ser julgado imparcialmente, mas seu
grande valor é colocar o espectador para refletir a partir de uma narrativa
forte, dura e que dificilmente não nos deixará em algum momento angustiado. Não
convêm dizer o que acontece nos minutos finais, você pode gostar ou não da
resolução, mas certamente ficará com um nó na garganta. Para concluir, este é
um daqueles exemplos que qualquer cinéfilo de carteirinha ou apreciador de um
bom filme tem vontade de realizar uma sessão de choque com aqueles que
menosprezam as produções antigas. O cinema não tem prazo de validade e este
drama continua com seu sabor e paladar intactos: amargo e espesso, mas ainda
assim necessário para curarmos deficiências da sociedade, afinal a violência
aumenta a cada dia e nem mesmo a morte parece assustar mais. Para assistir bem
mais que uma única vez.
Drama - 122 min - 1995
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