NOTA 10,0 Filme com boas narrativas nunca envelhecem e esta adaptação de uma obra de Stephen King é a prova contando com magistral atuação de Kathy Bates |
Bem, não é legal contar as viradas do roteiro,
mas neste caso é preciso porque além da reviravolta não demorar a acontecer e
ocupar bem mais da metade da narrativa, provavelmente poucos se interessariam
em ver um filme estruturado na sinopse do parágrafo acima. Poderia até caminhar
para o lado da comédia tal premissa, mas o viés escolhido pelo diretor Rob
Reiner é bastante tortuoso. Annie leva Sheldon para sua casa e diz que vai
cuidar dele enquanto a rodovia não é liberada para levá-lo ao hospital. Tudo
poderia estar bem até então, isso se o escritor não estivesse imobilizado em
uma cama. A princípio, a estranha mulher se mostra muito bondosa, porém, muda
radicalmente quando ele a deixa ler a versão final de seu último livro. Annie
fica transtornada ao saber que Misery, sua personagem favorita, irá morrer no
último volume da série. Imediatamente o autor percebe que sua grande fã na
realidade sofre de graves distúrbios mentais. Por viver extremamente sozinha, a
mulher do livro é como uma pessoa de carne e osso para ela, a sua única
companhia. Totalmente dependente neste momento, Sheldon é obrigado a fazer todas
as vontades dela, inclusive queimar o manuscrito de seu livro e começar a
escrever uma nova edição da série "Misery" de acordo com o que ela
deseja. O descontrole emocional desta mulher vai aumentando gradativamente e o
desfecho desta história nem mesmo o criativo escritor consegue prever.
Praticamente é a cultura a serviço da loucura. As tentativas frustradas do
autor em tentar fugir do cativeiro são de fazer roer as unhas, assim como as
aparições da ensandecida mulher que ora é um anjo e em poucos instantes é o
demônio em pessoa. Histórias como esta, da admiração de um fã extrapolando
limites, já renderam outros títulos de cinema nos mais diversos gêneros e fatos
idênticos também ocorrem na vida real envolvendo celebridades. De pessoas
simplesmente inconvenientes até outras extremamente violentas que podem até
matar por ódio ou amor àquele que tanto idolatra, os históricos dos noticiários
estão cheios. Este suspense é tão intenso e perturbador que até hoje as pessoas
que prezam pela história da sétima arte ainda fazem questão de lembrar que as
cenas entre Kathy e Caan são memoráveis e de um nível de tensão jamais alcançados
novamente. A todo o momento ficamos apreensivos e na expectativa de qual será a
próxima louca atitude de Annie.
O cultuado Stephen King é o autor de "Angústia", o livro
que deu origem a essa produção e, felizmente, sua obra foi respeitada e seguida
ao máximo. Só o nome dele envolvido em uma produção já chama muito a atenção e
garante sobrevida a qualquer filme, mas o tempo ajudou e muito a este título. O
autor escreveu uma trama madura e realista bem diferente de seu estilo de
contar histórias de arrepiar, já que o mundo do além e seus habitantes eram e
continuaram sendo seus temas favoritos. É certo que muitas obras
cinematográficas que ostentam o nome do escritor em seus créditos deveriam
virar caso de polícia por achincalharem seu trabalho e até mesmo enganar seus
fãs de tão ruins que são, mas no caso o roteirista William Goldman, de Todos os Homens do Presidente, conseguiu
fazer dignamente a transição das páginas impressas para o celulóide, um
trabalho com uma repercussão intensa que é provável que nem mesmo Reiner
imaginaria que alcançasse, já que ele não é conhecido por uma filmografia
calcada em gêneros específicos, mas o responsável por sucessos cults dos anos
80 como Conta Comigo e A Princesa Prometida. Falando em
passado, é muito interessante observar os objetos cênicos e a ambientação da
casa de Annie, principal cenário de todo o longa. Máquina de escrever, telefone
com discador de dedo, muitos bibelôs, enfim há diversos elementos hoje
obsoletos que ajudam a dar a obra um irresistível tom nostálgico ao mesmo tempo
em que colaboram para dar um ar amedrontador, como se cada canto da residência
escondesse uma surpresa. Para quem gosta de temas ligados à psicologia, a
protagonista é um prato cheio para ser estudado, assim como sua vítima, que tem
que se manter calmo e estudar bem as maneiras como lidar com a enlouquecida fã,
a ponto de também se tornar uma pessoa cruel e capaz de atrocidades, atos
justificados por sua luta pela sobrevivência. Richard Farnsworth e Lauren
Bacall têm importantes participações, embora pequenas, mas o show fica mesmo por
conta de Caan e Kathy que carregam o filme nas costas. A atriz conseguiu vencer
a predileção por Anjelica Huston e Bette Midler, nomes de peso na época, e
agarrou com unhas e dentes a oportunidade e alcançou uma das interpretações
mais viscerais da História do cinema, um trabalho que parece que os membros do
Oscar esqueceram, caso contrário jamais teriam dado uma estatueta para Gwyneth
Paltrow, Marisa Tomei, entre outras atrizes. O quesito comparação não existe
nesta e em outras premiações, infelizmente é o mercado da época que dita quem
ganha e quem perde. Para aqueles que acreditam que Louca Obsessão já não tem
espaço nem mesmo no “Super Cine” da Globo, favor jamais se intitulem cinéfilos
de carteirinha. Esta é sem dúvida uma das experiências mais angustiantes de
todos os tempos do cinema e merece ser revista de tempos em tempos para
lembrarmos o que é suspense de verdade. Muitos diretores e roteiristas de
Hollywood metidos a assustar plateias com efeitos de quinta categoria precisam
urgente de um tratamento de choque a base desta produção e algumas outras direto
do túnel do tempo para aprenderem o significado das palavras medo e tensão.
Recomendadíssimo.
Vencedor do Oscar de atriz (Kathy Bates)
Suspense - 107 min - 1990
Adoro esse filme e ao estudar história estou analisando um livro que fala sobre a loucura......ou seja, estou viajando na insanidade. kkkk
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