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quarta-feira, 4 de agosto de 2021

CAFÉ DA MANHÃ EM PLUTÃO


Nota 8 Busca pela mãe e sua aceitação na sociedade movem a saga de um excêntrico personagem


Existem cineastas que preferem seguir uma linha de trabalho metódica e evitam explorar diversos gêneros do cinema, mas alguns conseguem manter algumas características de sua filmografia independente de estar trabalhando com drama, humor ou suspense. O diretor Neil Jordan é um exemplo que se encaixa nessa definição. Dono de um currículo bem diversificado, suas obras tem em comum o apreço por personagens excêntricos ou marginalizados pela sociedade como, por exemplo, Entrevista Com o Vampiro, obra que tenta humanizar o cotidiano de um ser condenado ou presenteado com a vida eterna, e A Premonição, no qual tenta explicar a mente e as atitudes de um psicopata usando o manjado truque dos problemas enraizados na infância. Seu ápice profissional foi Traídos Pelo Desejo, um trabalho muito respeitado pela crítica e que trazia como um dos personagens principais um travesti. O homossexualismo é novamente a fonte de inspiração do cineasta para Café da Manhã em Plutão, projeto repleto de bons atores em pequenas participações e uma parte técnica e artística de primeira, porém, desta vez as premiações e críticos não foram muito generosos com o diretor. O filme praticamente passou em brancas nuvens em quase todo o mundo, mas merece um voto de confiança. 

Adaptação do próprio Jordan do livro homônimo de Patrick McCabe, a figura escolhida para protagonizar a trama é um jovem travesti em busca de suas raízes durante a década de 1970, momento em que liberação e repressão se fundiam em um mundo conturbado, ou seja, um cenário não muito diferente do que o mundo é hoje. Praticamente toda a ação gira em torno de Patrick “Kitten” Braden (Cillian Murphy), um menino que nasceu em uma pequena cidade conservadora da Irlanda, mas nunca aceitou sua condição sexual e sempre preferiu usar roupas e acessórios femininos e se comportar como mulher. Ele pode ser fruto de um relacionamento do padre Liam (Liam Neeson) com uma mulher misteriosa, provavelmente uma empregada dele, mas foi abandonado ainda bebê e criado por Ma Braden (Ruth McCabe). Quando adulto, Patrick assume o visual feminino de vez e decide ir em busca de sua mãe verdadeira em Londres, onde encontra a liberdade necessária para viver como sempre quis. Nessa fase, o jovem acaba se envolvendo em bizarras situações e conhecendo os mais variados tipos de pessoas como motociclistas, um mágico, prostitutas e até chegou a conviver com integrantes de uma banda de rock. 


Em suas desventuras, até em conflitos terroristas Braden se envolve, mas mesmo assim não desiste do sonho de encontrar a mãe que o abandonou. Por se tratar de um tema polêmico, muita gente pode acreditar que esta história é contada de forma visceral e repleta de cenas constrangedoras ou sem nenhum pudor, contudo, Jordan surpreende com uma narrativa de certa forma bem leve, quase uma fábula, tom acentuado pelo comportamento do protagonista, por vezes parecendo um ser totalmente deslocado do mundo real, mas longe de ser uma caricatura. Murphy, que parecia fadado a viver psicopatas por causa de suas feições um tanto peculiares e ótimo desempenho em papéis desse tipo, dá um show de interpretação na pele de um ingênuo homossexual otimista até o último fio de cabelo e sua caracterização é perfeita. Ficou bem feminino e em alguns momentos, diga-se de passagem, seus traços faciais lembram até um pouco a atriz Uma Thurman. Sem dúvidas uma interpretação digna de elogios e premiações. Bem, os prêmios ficaram como um débito ao ator assim como para a produção como um todo, mas as críticas positivas ainda podem ser tecidas. Basta acompanhar a obra sem pré-julgamentos para encontrar a mensagem positiva quanto ao aceite da diversidade.

O filme tem como um dos vários pontos positivos não apelar para o lado sexual do protagonista, mas sim apenas sugestionar um clima erótico para focar sua vida pessoal. Nas mãos de um diretor qualquer a história corria o risco de virar um circo de horrores e apelação, mas Jordan acabou criando um interessantíssimo painel social do período setentista enfocando inclusive questões políticas. Bem aproveitado também o recurso de dividir o roteiro em diversos capítulos acompanhando as várias fases de vida do personagem principal e contar com a narração em off do próprio, o que imprime um tom simples e delicado à história e ajuda a aproximar o espectador a esse mundo fictício em termos, pois há muitas verdades ao longo da trama sobre o contexto da época. O viés do órfão em busca de suas origens já é um tema batido, mas Jordan consegue reciclar o clichê lançando mão de um leque vasto de situações e personagens paralelos que conseguem por alguns instantes desviar a atenção de Braden de seus reais objetivos. Dessa forma todo o conjunto se beneficia por não ficar dependente de um único eixo. Ao mesmo tempo em que procura a mãe, o jovem também tenta explorar as diversas possibilidades que agora tem em mãos após anos de opressão em uma cidade interiorana e tradicionalista. Tudo o que passa a viver nessa nova fase agrega à sua vida, seja no aspecto intelectual ou emocional, assim os momentos de tristeza, de alegria e até mesmo de insanidade o ajudam a amadurecer e enxergar as coisas com outros olhos. 


A trilha sonora, recheada de sucessos de artistas famosos da época, ajuda a compor a narrativa e é um presente para os nostálgicos, mas poderia ser menos intensa o que reduziria um pouco a duração do filme com o corte de algumas cenas contemplativas, um dos poucos entraves da produção. Porém, de tão leve que a trama é, embora as raízes do tema não sejam, as pouco mais de duas horas passam rapidamente. Café da Manhã em Plutão é uma obra rara daquelas que dificilmente surgem similares. Diverte, emociona, nos leva à reflexão e agrega muito bem características do cinema comercial com o alternativo, uma tarefa difícil até para o mais genial dos cineastas. Jordan prova mais uma vez que ainda sabe fazer bons filmes. Não se entrega totalmente ao lado do clichê do roteiro, mas também procura não chocar o espectador com o mundo libertino que comumente ligamos aos homossexuais. Simplesmente ele se dispôs a contar a história de um ser humano munido de sonhos, anseios e dúvidas em busca de um objetivo na vida. O que o difere dos outros? Talvez seu caráter mil vezes melhor que muitas pessoas que se consideram normais.

Drama - 135 min - 2005 

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