NOTA 8,5 Apesar de melancólico e abrir mão de clichês maniqueístas, longa reforça a ideia que até o último suspiro a vida vale a pena |
Ter medo da morte é algo comum. Na realidade a angústia que
tal palavra desperta é quanto a consciência de que não haverá o amanhã,
corrigir erros ou realizar desejos não será mais possível. Mesmo sem entrarmos
em questões espíritas que defendem que a vida continua, de qualquer forma todos
temos consciência de que com a matéria física morta é impossível aproveitar os
prazeres e as desventuras que a vida proporciona. Tais pensamentos são
torturantes, mas podem se tornar piores quando o fim da vida parece estar numa
contagem regressiva e infelizmente milhões de pessoas vivem essa realidade por
conta de doenças fatais ou em estágios terminais. Há quem procure encarar com
positivismo tal período tentando aproveitar ao máximo a vida ou ao menos até
quando os problemas de saúde permitirem, mas já pensou como deve ser
angustiante viver tal situação quando o indivíduo se entrega a depressão ou faz
um balanço de sua vida e acredita não ter feito nada de bom? Uma vida vazia
assustando muito mais que a iminência da morte, esse é o mote do drama O Tempo
que Resta, produção francesa cujo conflito é deflagrado por conta de uma doença
silenciosa, ainda um mistério em diversos aspectos, que pega muita gente
desprevenida e não tem idade para se manifestar. Na trama roteirizada e
dirigida pelo eclético e famoso François Ozon, do suspense psicológico Swimming
Pool, da sátira 8 Mulheres e da comédia dramática Amor em Cinco Tempos, por
exemplo, acompanhamos dias difíceis na vida de Romain (Melvil Poupaud), um jovem
e bem sucedido fotógrafo que se depara com a triste notícia de que está com um
câncer terminal e que o tratamento seria complicado e com chances de não dar
certo. A partir dessa descoberta, ele entra em uma jornada perturbadora e sua
vida muda completamente. Homossexual assumido, o rapaz passa a não se entender
mais com o companheiro Sasha (Christian Sengewald), se afasta dos
familiares com quem já não cultivava um bom relacionamento e fica pensando no
que ele vai deixar como legado após sua partida. Ele só tem coragem de contar
sobre a doença para a avó Laura (Jeanne Moureau), talvez por ela já ser
idosa e também estar na iminência da morte. A reflexão sobre sua
breve passagem pelo mundo ganha mais força ao receber a proposta de engravidar
uma mulher (Marie Rivière) com o consentimento do marido (Daniel Duval), este
que é estéril. Este seria talvez seu primeiro e único ato em vida do qual se
orgulharia, gerar um ser humano, mas ao mesmo tempo estaria traindo seus
próprios instintos. Em meio a esse turbilhão de dúvidas, emoções à flor da
pele e problemas, Romain tem que decidir quais serão seus últimos passos
no tempo que lhe resta de vida.
De uma hora para a outra seu mundo perfeito desaba e ele
entra em uma jornada de reflexões. Prefere ignorar o tratamento de
quimioterapia por saber que outras pessoas fizeram e ficaram ainda mais
debilitadas. Não quer levar adiante seu relacionamento homossexual por medo de
em breve ter que deixar o companheiro causando-lhe uma dor que só o tempo
poderia curar. Pelo mesmo motivo passa a tratar mal os pais e a irmã como uma
forma de afastá-los naturalmente de seu convívio e assim amortecer o impacto da
notícia de sua morte. Por fim ele se dá conta que sua vida foi um fracasso, que
não deixaria nada de seu para perpetuar sua existência. Apesar de tudo, a
doença acabou de certa forma trazendo um benefício à Romain. Mesmo com o
sucesso profissional e aparentemente levando a vida pessoal seguindo suas
próprias escolhas não adotando convenções para fazer os outros felizes, ele sentia
que sua trajetória era um tanto insossa e esse novo momento acabou obrigando-o
a olhar as coisas sob uma ótica diferente, diga-se de passagem, bem mais
interessante. Cada vez mais introspectivo e criando barreiras ao seu redor, ele
passa a observar o mundo detalhadamente através das imagens que capta com sua
câmera fotográfica, impressões aleatórias do seu dia-a-dia que talvez pudessem
servir com uma espécie de extensão de sua própria memória. O personagem ser
fotógrafo não é uma escolha banal. Antes o rapaz captava cenas fúteis para
catálogos de moda, mas após sua ruptura com a vida razoavelmente feliz que
tinha e não sabia ele quer (embora não assuma verbalmente) que suas fotos do
cotidiano ajudem a tornar sua lembrança eterna para aqueles que o conheceram e
por que não um registro de sua passagem para quem por ventura apreciasse seu
trabalho posteriormente. Em meio a esse turbilhão de pensamentos e emoções o
espectador é convidado a participar de uma história difícil e a compartilhar as
dúvidas que o protagonista tem afinal de contas seu problema de saúde
infelizmente é muito comum e mesmo com tantos avanços da medicina parece que as
estatísticas de novos casos da doença só crescem a cada ano que passa. Para
quem gosta de histórias do tipo é impossível não se sentir no lugar do
fotógrafo e imaginar o que faria em seus últimos dias de vida. Embora a
temática central seja de apelo universal, é certo que a produção encontra
certos empecilhos para atingir grandes plateias, sendo claramente um produto
destinado a nichos específicos de público. O primeiro obstáculo a ser vencido é
o preconceito quanto ao cinema francês. Ozon não abriu mão do característico
ritmo lento e a obsessão por cenas contemplativas, mas o enfoque dado ao tema é
extremamente interessante e passa longe do estilo convencional. Na genérica
cartilha cinematográfica (entenda como as regras de Hollywood) tal obra poderia
ser resumida como a história de um rapaz arrogante, mimado e egoísta que após
receber a notícia de que tem pouco tempo de vida decide fazer tudo que até
então tinha receio e reparar os erros do passado, consequentemente se tornando
uma pessoa melhor e feliz, mesmo tal mudança acontecendo pouco tempo antes de
partir. Quantos filmes você já viu desse mesmo jeitinho?
A mesma premissa em versão francesa é transformada em algo
bem mais realista. Romain não se aventura em esportes radicais, tampouco decide
viajar pelo mundo sem destino certo e nem tem lampejos de extremo desespero.
Simplesmente ele encara a iminência da morte com toda cara e coragem e sua
atitude de se afastar das pessoas que o cercavam pode ser encarada como uma
postura corajosa em um momento que qualquer um desejaria o máximo de atenção. Além
do ritmo lento, da ideia principal ser um prato cheio para cair no dramalhão e
o risco de sua visão mais crua de como encarar a doença ser mal interpretada, outro
fator que pode incomodar é a abordagem do homossexualismo feita abertamente,
sem rodeios. As cenas de relacionamento amoroso explícito entre homens é feita
de forma clara, o que pode chocar algumas pessoas. Até um local de orgias é
retratado e há também sequências de relacionamento a três. Tais cenas no cinema
francês são bastante comuns, porém, neste caso são tratadas de forma natural,
sem traços de vulgaridade. Eis aí o grande trunfo deste filme. Nas mãos de um
diretor insensível ou sem experiência, talvez o roteiro perdesse totalmente o
sentido e se tornasse um show de sexo explícito ou de repente, como já dito,
cairia na armadilha de ser apenas mais um emaranhado de clichês com mensagens
edificantes. Quem aprecia a filmografia francesa já espera um produto bem
superior e com conteúdo que não poupa o espectador, este que pode se sentir
satisfeito ou até mesmo incomodado com que viu. O importante é não ficar
passivo ao enredo e Ozon foi habilidoso e construiu um belo drama para levar o
espectador à reflexão sem ser piegas. Não usou o recurso batido de fazer o
protagonista reviver alguns momentos emocionantes ou de dificuldades de sua
vida, pelo contrário, a narrativa privilegia o futuro, o que o rapaz fará em
seus últimos meses de vida. Todavia, enquanto emagrece rapidamente por conta da
doença e do desgosto, sua infância é relembrada, mas sempre pelo viés da
descoberta de sua sexualidade. A última cena é tocante e deve figurar como um
dos mais belos desfechos de todos os tempos, além de passar uma bela mensagem:
não contemple a morte, mesmo que ela seja iminente, contemple a vida e tudo de
bom que ela pode lhe oferecer até seu último suspiro. Dramático na medida
certa, O Tempo que Resta é uma obra curta em sua duração, mas certamente
suas ideias permanecerão por um bom tempo na mente de quem assistir.
Recomendado a quem realmente estiver com o coração e o cérebro funcionando bem ou
para aqueles que têm consciência de que todos já estão a beira da morte a
partir do momento em que nascem. Cabe a cada um encurtar ou prolongar essa
passagem de acordo com suas escolhas ou adversidades do meio em que vive.
Drama - 83 min - 2005
olha que roteiro sensivel e brilhante, mas dá raiva o porque do protagonista se fechar tanto, mas independemente disso, é um filme até poetico, sobre vida, homossexualidade, familia e morte, a cena final é encantadora...recomendo!!!!!!!
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