NOTA 10,0 Embora não seja um dos títulos mais apreciados Disney, longa inova na linguagem e visual |
Nos anos 90 a Disney viveu dois momentos distintos. A primeira metade
da década foi marcada por estrondosos sucessos baseados em contos clássicos
infantis. Em 1994 tiveram êxito ainda maior ao arriscarem lançar uma animação
original e longe das histórias de fadas e princesas. O Rei Leão inaugurou uma nova fase para o estúdio que passou a
apostar suas fichas em histórias que antes eram mais indicadas aos adultos.
Obviamente os textos sofreram alterações para se adequarem ao público infantil,
mas ainda assim mantiveram certos pontos que outrora seriam proibidos em
desenhos da empresa. Reunindo ingredientes para agradar crianças e adultos,
aliando inovação e tradição, assim nasceu Hércules, a versão animada, colorida
e cheia de adrenalina do conto do semideus que antes já havia ganhado diversas
versões para o cinema e TV, mas talvez nenhuma tão divertida e inovadora quanto
esta. É uma pena que não foi o sucesso que merecia ter sido, mesmo sendo
lançado na época em que praticamente não havia concorrentes a altura de um
produto Disney. Depois da dramaticidade excessiva de Pocahontas e O Corcunda de
Notre Dame, os animadores da companhia estavam inspirados a fazer o público
se divertir do início ao fim e prepararam um trabalho que transforma a edição
rápida das cenas em elemento fundamental. Outra das grandes e bem-vindas
inovações foi colocar um quinteto de musas que narram o conto através de
canções que misturam estilo gospel, jazz e blues, sempre intercalando a trama
em momentos estratégicos. A história começa apresentando o nascimento do
pequeno Hércules, o filho do poderoso Zeus e de Hera. Todos os deuses do Monte Olimpo
comemoram a notícia, menos Hades, o irmão ciumento do mais novo papai do pedaço.
Quando Zeus travou uma guerra contra o Mal e enclausurou os monstros Titãs nas
profundezas da terra, ele também castigou seu irmão obrigando-o a tomar conta
do limbo, o lugar onde as almas penadas vivem. Graças a ajuda das Parcas,
espécie de bruxas com poderes especiais e o dom de encerrar vidas, Hades
descobre que 18 anos mais tarde ocorrerá o raríssimo evento do alinhamento dos
planetas que revelará onde os Titãs foram aprisionados. Dessa forma ele poderia
tomar o poder do mundo dos deuses para si, mas Hércules seguramente será uma
pedra no seu caminho. A única maneira de impedir o triunfo do jovem seria ele
não sendo um imortal, assim o Deus do Mal manda seus comparsas Agonia e Pânico
sequestrarem o bebê e forçá-lo a tomar uma poção que o transformaria em humano.
Os atrapalhados capangas acreditam que fizeram tudo direitinho, mas uma última
gota não foi consumida e o recém-nascido é adotado por um casal de simplórios
fazendeiros que não desconfiam quem é aquela criança.
O tempo passou e Hércules cresceu como uma pessoa normal, ou melhor,
quase já que nunca conseguiu controlar sua força incomum, o que lhe rendia
muitas confusões involuntárias. Já adolescente, ao saber de sua verdadeira
origem, ele decide lutar para ocupar seu lugar de direito no templo dos deuses
e procura a ajuda do treinador de heróis Phil, um homem-bode mal humorado que
inicialmente recusa ajudá-lo, mas que se convence de que o rapaz tem potencial e
poderá se tornar o maior mito da história da Grécia. Porém, Hades descobre que
ele ainda está vivo e planeja atrapalhá-lo colocando em seu caminho a bela Meg,
uma isca para o semideus cair em armadilhas, mas Hércules se apaixona pela moça
e o sentimento é recíproco. É chegada a hora de ele provar suas origens e
reconquistar seu posto no Monte Olimpo ou abdicar da eternidade em detrimento
ao amor por uma humana e sua vida de mortal. Pelas mãos dos diretores Ron
Clements e John Musker, os mesmos de A
Pequena Sereia e Aladdin, e do
animador Gerald Scarfe, um tema que consta em
currículos escolares e fascina historiadores do mundo todo ganhou muitas cores,
músicas e aventuras nas telas para agradar e até mesmo despertar o interesse das
crianças em conhecer mais sobre o passado e os mitos gregos, uma cultura de
grande importância para a História do mundo, apesar de que todo o conto do
personagem-título foi reescrito e apenas referências ficaram. Segundo
historiadores, o longa escorrega na pesquisa histórica e por diversas vezes faz
menções a nomes de famosos gregos que nem tinham nascido nos tempos do
protagonista e também por omitir que Zeus se relacionava com mulheres mortais.
É impressionante que alguém tenha perdido seu tempo pinçando bobagens do tipo.
O foco da obra é o público infantil, portanto, é óbvio que fatos mais ousados
foram limados e que o maior número de referências gregas possível foi inserido
na narrativa, tudo para ajudar a criar um clima mais envolvente. Também há quem
critique a americanização do herói, mas no caso ela é utilizada de maneira
adequada para que o público se identificasse mais facilmente. O porte e os
gestos de Hércules lembram muito ao Superman e como todo ídolo popular ele tem
uma legião de fãs e sua imagem estampa desde copos de plásticos até sandálias.
No filme as situações que
brincam com o consumismo do povão causam boas risadas, mas todos sabem que o
intuito dos filmes infantis da Disney é lucrar não só nas salas de cinema, mas
também nos supermercados e shoppings através de bugigangas e produtos
alimentícios que bombam na época do lançamento, mas que continuam no mercado
sem prazo determinado, ainda que em menores quantidades e opções restritas.
Estas referências ao consumismo têm a maior parte exibidas como ilustração da canção
“Zero a Herói”, um clipe frenético e delicioso que mostra a mudança repentina
na vida daquele rapaz que era considerado um zero à esquerda. Nesta sequência,
rapidamente são mostrados também cinco dos doze famosos trabalhos de Hércules,
além de outros tantos elementos visuais de identificação imediata, aliás, uma
marca forte durante todo o longa e que chega até mesmo aos diálogos que são
carregados de sarcasmo e crítica. Boa parte do humor fica a cargo do vilão que
acabou tendo seu perfil modificado devido ao seu dublador original. Ameaçador e
nada agradável, assim era descrito o personagem que acabou se tornando
carismático com a dose de humor que o ator James Woods injetou quando
participou de uma pré-seleção para escolha de vozes. Imediatamente as falas de
Hades foram reescritas e a galeria de personagens inesquecíveis Disney ganhou
mais um belo integrante que, diga-se de passagem, tornou-se mais interessante
que o próprio mocinho da fita. Se o elenco que dubla a versão americana
consegue mudar o perfil das criações de acordo com suas vozes, lembrando que os
intérpretes são escolhidos anos antes do lançamento (no caso a produção começou
em 1994 para ser lançada três anos depois), não é de se espantar que Danny
DeVito é o homem por trás da criação de Phil, que seria uma alusão a um
personagem do filme Rocky – Um Lutador. Já
o destaque feminino da trama é a junção de diversas características de atrizes
reconhecidas pela beleza e o resultado é que não se via uma mulher tão sedutora
em versão animada desde Jessica Rabbit de Uma
Cilada Para Roger Rabbit. Também vale destacar a atenção dada aos seres
símbolos da cultura grega como o Centauro, os poderosos Titãs e as Gréias ou
Parcas, as três feiticeiras que podem ver o futuro, além do capricho na
construção do limbo, cenário onde vivem as almas que não evoluíram. Diante da
perfeição dos traços das produções computadorizadas de hoje em dia (algumas nem
tanto), os personagens aqui podem parecer estranhos, muito angulares, mas o
estilo marcou, ficou único e a idéia era realmente parecer caricato. O tempo
passa, mas Hércules continua com fôlego para conquistar novas gerações.
Pode ser exagerado, inventado, pouco crível, não importa. O lance é perceber a
ousadia de um estúdio tradicional em entregar ao público um trabalho que
impacta pelo seu visual e agilidade, mas que no fundo traz a boa e velha lição
de moral: não deixe que os outros lhe imponham condições para viver. Seja você
mesmo, busque seus sonhos e tome suas próprias decisões.
Animação - 92 min - 1997
Um dos raros desenhos que não assisti dessa época.
ResponderExcluirNão sei o motivo, porém, ele não me atraiu até hoje.
Quem sabe nas férias me empolgue para conferir a obra.