NOTA 8,0
Terror espanhol aposta no
realismo para causar bons
sustos e sem precisar
revelar todos seus mistérios
|
O gênero de terror sobreviveu durante algum
tempo graças aos lucros de monstros clássicos como vampiros, lobisomens e
múmias. Depois foi a vez dos fantasmas gerarem renda, sejam eles aparições repentinas
ou almas endiabradas que se apossam de corpos vivos. Já os anos 80 foram
marcados pelas produções trashs e psicopatas mascarados e a década seguinte
misturou todos esses ingredientes em um caldeirão de sustos e gritos, havendo
espaço e público para todos os tipos de horrores, tendência que se estende aos
primeiros anos do novo milênio, embora as assombrações orientais sejam o grande
símbolo do gênero nesse período. Entre fantasminhas de olhos puxados, monstros
nojentos, jogos sádicos e crianças literalmente com o demônio no corpo, poucos
títulos passam ilesos pelo crivo dos críticos. Porém, é curioso observar um
fenômeno ainda pequeno, mas aparentemente bem avaliado: os filmes que assustam
apostando no realismo e amadorismo. Se máscaras de borrachas, líquidos
pigmentados de vermelho e corpos falsos esquartejados já não assustam mais como
antes o jeito é recorrer à realidade que, diga-se de passagem, atualmente é
mais assustadora que qualquer coisa que o cinema já criou para meter medo. Não
que os sustos destas produções sejam livres das amarras do gênero, afinal eles
recorrem a temas corriqueiros, mas a novidade fica por conta de mostrar como as
pessoas comuns reagem quando ameaçadas. Em 1999, A Bruxa de Blair se tornou um fenômeno graças a uma excepcional
campanha de marketing e aterrorizou o mundo com a atmosfera que propiciou, mas
jamais mostrando o que realmente assustava os atores da fita vendida como uma
compilação de imagens documentais reais. Anos mais tarde, um animal gigantesco
e desconhecido aterrorizou uma cidade em Cloverfield
e também gerou burburinho, ainda que pouco o vemos em cena. Por fim, até o
cultuado George Romero, especialista em ressuscitar defuntos, embarcou na onda
de filmagens mais cruas e sem retoques no pouco visto Diário dos Mortos. Todos eles têm em comum sua estética de vídeo
caseiro e as ações sendo registradas sob o ponto de vista das câmeras
manuseadas pelos próprios personagens, obviamente situações plausíveis aos
roteiros, e é justamente este o estilo de Rec, um fenômeno do cinema espanhol
que se espalhado pelo mundo rapidamente.
O segredo do espantoso sucesso está em apostar
em uma fórmula que faça com que os espectadores participem ativamente do filme.
O recurso da metalinguagem, a filmagem dentro do filme, faz as vezes da ótica
do público praticamente. É algo arriscado, mas parece que está agradando
justamente por não jogar as responsabilidades de assustar no “vilão” e sim
deixando o pavor tomar conta de quem assiste graças as reações dos personagens diante
do perigo eminente. No caso do trabalho assinado por Jaume Balagueró e Paco
Plaza, as tensas imagens que acompanhamos são feitas por Pablo (Pablo Rosso),
um cinegrafista cujo rosto jamais vemos. Ele está acompanhando Ángela Vidal
(Manuela Velasco) para mais uma gravação de uma matéria para um programa
sensacionalista de TV que registra acontecimentos noturnos, principalmente
acidentes e ocorrências policiais. Tentando dar ao seu trabalho toques de
cultura, a repórter desta vez quer acompanhar a rotina do corpo de bombeiros
durante a madrugada. De uma hora para a outra a calmaria se transforma em um
tremendo corre-corre. Chamados para socorrer uma senhora de idade em um antigo
edifício, os bombeiros se deparam com algo que jamais viram. A idosa está toda
ensanguentada e com ataques de fúria e não demora a atacar demais moradores e
policiais que também foram ajudar. Pouco a pouco o pânico toma conta de todos
naquele local e a dupla de repórteres está vivenciando a mais apavorante
matéria que fizeram até então. E a noite promete ser bem longa, embora o filme
tenha uma reduzidíssima duração, aproximadamente uma hora e quinze minutos. Os
cineastas optaram por criar uma história cujo início é insosso, mas não demora
em o caos se instalar e perdurar até o último minuto. É comum nos filmes de
terror o nível de tensão diminuir consideravelmente quando descobrimos os
segredos por trás das ameaças e mistérios, mas neste caso continuamos com a
pulga atrás da orelha mesmo quando sobem os créditos finais. A ambientação claustrofóbica
e os eficientes efeitos de câmera como se fosse uma gravação amadora contribuem
para o contínuo envolvimento do espectador, chegando a causar insegurança e
desconforto em alguns momentos. Ficamos a todo instante se perguntando o que há
de estranho naquele prédio e o que está alterando o comportamento das pessoas.
Um vírus? Algo a ver com espíritos ou com demônios?
Embora curto e de
certa forma com uma narrativa bem ágil, resultado de uma eficiente e precisa
edição de cenas que coloca em partes ordem no caos, esta é uma produção que
muitos a primeira vista podem tachar como horrível, tola e por ai vai, mas vale
a pena assistir mais de uma vez prestando mais atenção. A rapidez, o
corre-corre e a gritaria certamente nos distraem e tiram nosso foco da
história, dessa forma podemos perder explicações importantes sobre como a tal
maldição é espalhada e até mesmo a revelação do mistério (ou parte dele). É
interessante também observar que há certa atenção por parte do roteiro em criar
personagens críveis e com algo a dizer, coisa pouco comum atualmente em
produções de horror. A protagonista, por exemplo, começa o filme como uma
pessoa que parece só pensar em realizar a matéria de sua vida e mostra-se
corajosa e bisbilhoteira, mas a cada novo elemento surpresa que surge sua
bravura vai diminuindo dando espaço para sua fragilidade aflorar. Entre os
moradores do tal edifício nem todos estão sem entender o que está acontecendo,
mas sim fingindo o medo pra protegerem-se. Balagueró e Plaza conseguiram
arrancar interpretações inspiradas de seu elenco desconhecido graças a um velho
truque que Steven Spielberg já utilizava nos anos 80, ainda que em uma ou outra
cena. Se a intenção é deixar as platéias boquiabertas, nada melhor que testar
as reações com os próprios envolvidos no projeto, assim os atores atuaram
seguindo um pré-roteiro, ou seja, sabiam em partes o que era planejado, mas não
ficaram livres de algumas surpresas de última hora no estúdio. Todavia, em meio
a tantos acertos atirando literalmente no escuro, os diretores não
proporcionaram um final dos melhores, ainda que os últimos minutos sejam de
roer as unhas. A estratégia de deixar no ar questões a serem resolvidas é
proposital, pois já havia o projeto de ao menos mais uma sequência e há
indícios de que os planos não paravam na parte dois, porém, o segundo longa já
não causou o frisson esperado e o remake americado intitulado Quarentena tratou de resquentar a
fórmula com o prato ainda muito quente, esgotando assim as possibilidades de
surpreender o espectador. De qualquer forma o primeiro Rec cumpre bem seu papel
e tem garantido seu nome em um capítulo da história do cinema. Agora ficamos no
aguardo do próximo terrorzão que nos surpreenderá. Pode surgir ainda este ano,
no próximo, daqui uma década...
Terror - 75 min 2007
Um dos filmes de terror mais aterrorizantes da década.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/