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sábado, 2 de dezembro de 2023

A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA


Nota 10 Clássico literário reúne elementos perfeitos para o estilo Tim Burton de fazer cinema


Longe do estilo trash ou do lema sangue é a alma do negócio, Tim Burton construiu sua carreira basicamente pautado pelo gênero de horror e suspense, mas conseguiu imprimir um estilo único de assustar. Quer dizer único não é mais, pois já existem diversos cineastas copiando seu estilo gótico ou surreal de contar histórias que flertam com o medo, o humor e o drama. Todavia, ainda falta para muitos a criatividade e a sutileza de Burton para tocar projetos semelhantes aos seus. Talvez sejam as suas particularidades que nos encantem, por exemplo, em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, longa rotulado como terror, mas com certo quê de conto de fadas macabro. Todos os elementos que fizeram e ainda fazem a fama do diretor estão presentes nesta produção que pode ser considerada uma obra-prima do gênero. Personagens bem trabalhados, ambientação minuciosamente escolhida, humor negro, bizarrices e o tom gótico já são marcas registradas do diretor e aqui todas elas são imprescindíveis para a condução da narrativa que faz com que por alguns momentos o espectador esqueça que é um filme de terror que está vendo tamanho o lirismo e o aspecto onírico de algumas cenas. Mas claro que também há sangue para agradar aos fãs do gênero. 

A trama é baseada em um popular conto de horror do americano Washington Irving, que por sua vez baseou-se possivelmente em uma lenda germânica. Na virada do século 18, o pequeno vilarejo rural de Sleepy Hollow está sofrendo com o pânico gerado pelos boatos de que todas as noites o fantasma de um homem sem cabeça vaga pelas ruas a procura de seu crânio. O estranho é que parece que ele surge predestinado a decepar corpos escolhidos previamente, e nem as mulheres ou crianças são poupadas. O excêntrico detetive nova-iorquino Ichabod Crane (Johnny Depp), famoso por solucionar casos baseando-se em conceitos racionais e científicos, é chamado com urgência para dar seu parecer da situação e acalmar os ânimos. Inicialmente, ele tenta apresentar soluções lógicas para o problema investigando as possíveis ligações entre as vítimas para assim chegar a um assassino de carne e osso, mas não demora muito para seu ceticismo ir por água abaixo. Todos na cidade têm alguma história amedrontadora sobre o tal Cavaleiro sem Cabeça e o próprio Crane se depara com ele em uma noite sombria. A partir desse momento sua mente se divide. Ele passa a acreditar em partes no folclore local, mas ainda assim acredita que existe uma resposta lógica, porém, quanto mais se aprofunda nas investigações, mais sobrenatural o caso se torna. Para enfrentar o desconhecido, o detetive contará com o apoio de Katrina Van Tassel (Christina Ricci), uma jovem que pode ser a chave de todo o mistério, mas ao mesmo tempo corre o risco de ser a próxima vítima. 


O elenco conta com verdadeiros medalhões, alguns pouco reconhecíveis devido a maquiagem e figurinos, mas alguns merecem ser destacados, como Miranda Richardson interpretando Lady Van Tassel, a madrasta de Katrina, uma mulher maquiavélica e cheia de segredos, e Christopher Walken, especialista em interpretar tipos estranhos, assumindo aqui o papel do Cavaleiro. Embora aparecendo em poucas cenas e sem falas, apenas grunhindo, sua aparição obviamente é de fundamental importância, ainda mais contando com seu visual naturalmente exótico. O ator Casper Van Dien interpreta Brom Van Brunt, um valentão que cobiça o amor de Katrina e enxerga em Crane um rival. Curiosamente, esse triângulo amoroso não é bem trabalhado no longa, deixando apenas no ar os indícios desta relação, ao contrário do livro original. Na obra de Irving, Crane e Brunt competem pelo amor da moça e durante uma noite de festa o valentão conta a lenda do Cavaleiro sem Cabeça no intuito de assustar o rival. Ao voltar para casa, o detetive é surpreendido pelo fantasma de um homem que perdeu a cabeça durante um conflito na época da Revolução Americana e depois dessa noite ninguém jamais voltou a vê-lo. A história não é conclusiva, apenas se sabe que provavelmente o franzino investigador faleceu, e deixa para o leitor refletir se a lenda é uma realidade ou se o próprio Brunt é quem se disfarçou e deu cabo do inimigo. 

O roteirista Andrew Kevin Walker fez um excepcional trabalho de adaptação que só cresceu nas mãos de Burton, ainda que o script já estivesse escrito anos antes do projeto entrar em produção e nem havia o nome do gótico diretor atrelado. Logo nos primeiros minutos temos a certeza de que estamos diante de um produto tipicamente "burtiniano" que faz uma homenagem às antigas produções de horror. Já nos créditos iniciais somos convidados a participar de um universo fantástico e ao mesmo tempo aterrorizante. Neblina, árvores gigantescas e secas com galhos retorcidos e até uivo de lobos ajudam a compor uma ambientação perfeita de uma cidade isolada, triste e misteriosa. Isso sem falar na sequência que antecede tal abertura, uma introdução espetacular que é na verdade o real convite ao espectador, pois reúne todos os elementos que compõem o restante do filme. Venha participar deste mistério ou desista imediatamente ao ver alguém decapitado logo nos primeiros minutos. Sem precisar extirpar corpos a olhos nus, o cineasta conseguiu fazer um trabalho amedrontador e conta com recursos para ultrapassar barreiras e agradar até mesmo quem repudia filmes de terror justamente pelo excesso de sangue e violência explícitos geralmente empregados. Neste caso o impacto com cenas do tipo é quase nulo e o que nos impressiona mesmo é o requinte e o capricho da produção. Desde o uso da neblina proposital, passando pelos figurinos de época, a predileção por cores frias, a iluminação primorosa, a trilha sonora sombria e até as trucagens usadas para as aparições do Cavaleiro, tudo aqui nos faz lembrar filmes clássicos de terror, aqueles dos tempos dos castelos, carruagens e conflitos entre nobres e plebeus. 


Burton foi fiel ao seu estilo e se mostra muito a vontade para fantasiar neste mundo sinistro, palco para Depp mais uma vez desenvolver um personagem marcante e repleto de particularidades. Alternando momentos de humor involuntário, outros de seriedade e mais um punhado de sequências em que explora seu lado heroico, o ator firmava aqui sua terceira parceria com Burton até então. Acostumado a atuar quase sempre adornado por recursos de maquiagem e figurinos pesados, em sua visão Crane surge de cara limpa, o que colabora ainda mais para tornar a figura do medroso investigador em algo crível. Vale lembrar que, conforme seu costume, o cineasta acaba encontrando uma maneira de jogar um olhar contemplativo sobre a figura representante do mal, reforçando a ideia de que o vilão seria um ser marginalizado ou uma vítima da sociedade. Talvez a cena mais chocante seja a do Cavaleiro indo em busca de sua cabeça e exterminando toda uma família, inclusive uma criança, mas tudo filmado de forma velada e com citações para o entendimento de quem assiste sem precisar explicitar. A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça é uma deliciosa mistura de gêneros que resgata o que há de melhor no cinema, a criatividade, algo que Burton sempre manteve em primeiro lugar em sua filmografia, ainda que precise atender as expectativas do mercado. É em seu caráter nostálgico e artesanal que a obra esconde seus poderes de persuasão e sedução.

Vencedor do Oscar de direção de arte

Terror - 105 min - 1999 

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2 comentários:

  1. uiiii, quer diretor mais maluco que Tim Burton, kkkk, existem... e esse é genial em tudo o que faz, tem Tim, pode assistir e se divertir e prepare-se para levar sustos e dar boas risadas ao msm tempo, ele é craque nisso!!!!!

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  2. Sem sombra de dúvidas, que a genialidade e vivacidade de Depp para este papel é de suma importância. Com certeza é um dos melhores filmes do século. A fotografia é perfeita, bem como o enredo bem engendrado e executado. Excelente

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