sexta-feira, 23 de março de 2018

ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO

NOTA 7,0

Segunda incursão Disney em
live-action no País das Maravilhas,
repete equívocos do longa anterior,
como o visual sobrepondo-se a trama
Claramente adepto a histórias e personagens bizarros e com um quê de melancolia, o diretor Tim Burton teve a chance de deitar e rolar com as possibilidades oferecidas pela obra do escritor inglês Lewis Carroll. As aventuras de uma jovem por um mundo onde absolutamente tudo pode acontecer já foi adaptada pelo cinema diversas vezes sendo a mais famosa a animação feita pela Disney homônima ao livro. Lançada em 1951, Alice no País das Maravilhas na época fracassou comercialmente e foi duramente critica pela imprensa, mas com o passar dos anos acabou ganhando status de clássico do estúdio. Pensado inicialmente como um projeto calcado na interação de atores reais e personagens animados, tal ideia só foi concretizada seis décadas mais tarde pelas mãos de Burton tirando proveito do que havia de mais moderno em termos de computação gráfica. O longa bombou nas bilheterias e inflou os cofres da casa do Mickey Mouse em 2010, porém, angariou inúmeros comentários negativos tanto por parte da crítica quanto do público. As principais reclamações eram quanto ao visual extremamente sombrio, que não condiz com o colorido mundo imaginado pelas descrições do livro, e a falta de ritmo, algo diretamente ligado ao fato da preocupação com um visual arrebatador se sobrepor a construção da narrativa. O resultado é um filme um tanto extravagante, mas que ao menos honra a assinatura de Burton, algo que não acontece em Alice Através do Espelho, desta vez sob a batuta de James Bobin, diretor responsável pelo retorno dos Muppets aos cinemas. A roteirista, no entanto, continuou a mesma. Linda Woolverton, especialista em tramas infantis com pitadas de dramaticidade, como as animações A Bela e a Fera e O Rei Leão, aqui enfoca as famílias desfeitas, algo cada vez mais pertinente ao universo das crianças. Mais uma vez Mia Wasikowska encarna a personagem-título, agora mais madura e assumindo a vaga de capitã do navio que pertenceu ao seu falecido pai. Contudo, ela continua sonhadora, cheia de dúvidas e sem a força necessária para protagonizar um enredo, deixando coadjuvantes lhe roubarem a cena, mesmo com o Gato Risonho e a Lebre Maluca, por exemplo, em cena praticamente como figurantes.

O prólogo já deixa claro que o espetáculo gráfico é a prioridade da fita. Após comandar com pulso firme sua tripulação em uma intensa batalha em alto-mar, Alice descobre que seu ex-noivo Hamish (Leo Bill), o presidente da diretoria de navegação, quer desapropriar a embarcação da moça. Poderia ser apenas um ato de vingança, porém, mais do que isso, revela o machismo impregnado na sociedade que não aceita mulheres assumindo funções típicas masculinas. Decepcionada com a situação, repentinamente ela tem a chance de voltar ao País das Maravilhas e sentir-se útil. A pedido de Absolem (voz de Alan Hickman em seu derradeiro trabalho), a lagarta filósofa que se transformou em borboleta, ela retorna a terra mágica para reencontrar e ajudar o Chapeleiro Louco (Johnny Depp) que encasquetou que sua família considerada morta está viva e quer reencontrá-los, mas para tanto é preciso voltar ao passado e descobrir o que realmente aconteceu a seus parentes no dia que sumiram. Alice aceita colaborar na missão, contudo, precisará aprender a lidar literalmente com o Tempo (Sacha Baron Cohen), a entidade responsável por controlar o passado, o presente e o futuro e que usa seu poder com extremo cuidado. Convencê-lo a fazer qualquer alteração no que já aconteceu ou no que já está planejado a ser realizado é uma tarefa quase impossível. Na surdina, a garota terá que pôr as mãos na cronosfera, um objeto que mantém o relógio da vida funcionando com precisão, mas Tempo descobre seu plano e fará de tudo para impedi-la. Apesar de perseguir a mocinha e por vezes parecer amedrontador, ele não é em sua essência um vilão, apenas quer cumprir sua tarefa de preservar a ordem do universo e, diga-se de passagem, é mais fácil torcer por seus propósitos do que por Alice que acaba criando situações desnecessárias para ajudar um amigo. Wasikowska novamente trabalha o perfil de sua personagem com certas amarras, mesmo com a introdução indicando independência e auto-confiança conquistadas. Não a toa seus melhores momentos são apresentados quando está no mundo real questionando a obrigação da mulher estar sempre bela, cuidar do lar e ser recatada. Em paralelo, há mais alguém interessado em revisitar o passado. A Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) deseja voltar à infância para reviver o exato momento em que sua relação com a Rainha Branca (Anne Hathaway), sua irmã , ficou irremediavelmente abalada. Todavia, o motivo da briga é um tanto decepcionante e não justifica o duelo que travam desde então.

Como o primeiro filme já incorporava elementos que fazem parte da segunda aventura literária de Alice, como a fusão dos perfis da Rainha de Copas com a monarca Vermelha, a passagem pelo espelho mágico soa como uma desculpa esfarrapada para uma nova visita ao País das Maravilha, assim como a dramaticidade exagerada em torno do conflito do Chapeleiro Louco. Ao menos desta vez o excêntrico personagem ganha uma função mais orgânica na narrativa e Depp dosa seus trejeitos. Se no longa anterior sua presença eclipsou a protagonista quase que por uma imposição para o projeto ser realizado, aqui ele se conforma em ser um mero coadjuvante, mesmo com as possibilidades de seu arco dramático. Contudo, Carter é quem novamente interpreta o papel com maior complexidade, mesclando ironia e maldade, embora a equipe de efeitos especiais outra vez cometa algumas falhas na composição de sua rainha tirana, mais especificamente por vezes a inserem mal nos cenários ou na interação com outros personagens. O Tempo também é uma grata surpresa, mesmo com o roteiro não aproveitando todo potencial que uma figura tão abstrata poderia oferecer. Do bem ou do mal, Cohen consegue sustentar tal dúvida brincando com a percepção do espectador e trazendo o sentimento onírico inerente à obra de Carroll que fora diluído por Burton no longa anterior. Em seu castelo, por exemplo, seus seguidores robóticos, os segundos, se unem para formar robôs, então os minutos, até que se acumulam a ponto de formarem a hora. A parte visual e sonora é um show a parte como esperado, unindo modernidade e certo visual retrô, visto que a tal cronosfera é uma geringonça mecânica acionada com volantes e cordas para puxar. Também merecem destaque a casa do Chapeleiro, construída em formato de cartola, e o castelo da Rainha Vermelha, arquitetado com um emaranhado de galhos rubros espinhentos que formam por dentro um labirinto e por fora um sinistro coração. Embora tente esclarecer pontos que justifiquem os perfis e as ações de seus personagens, além de imprimir um ritmo mais ágil ao texto,  Alice Através do Espelho repete o erro de seu antecessor e deixa o visual tomar a força da palavra. Isso não seria problema caso as imagens não resultassem em uma cacofonia de elementos cujas mensagens podem ser de difícil compreensão. A grande lição do filme é que não é possível mudar o passado, mas sim aprender com ele. Uma pena que os próprios realizadores não tenham entendido a moral e repetiram erros do primeiro longa. Será que Alice fará uma nova visita ao reino mágico para a equipe de criação corrigir tais equívocos?

Aventura - 112 min - 2016

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