Nota 9 Longa supera o primeiro apostando ainda mais no humor crítico e politicamente incorreto
Quando um filme faz muito sucesso uma sequência só é questão de tempo, principalmente quando as histórias têm apelo junto ao público infantil, mas dificilmente uma continuação consegue ser tão boa ou até superar a obra original. Ainda bem que sempre há exceções e o retorno dos Addams aos cinemas foi triunfal. O diretor Barry Sonnenfeld, o mesmo do longa anterior, concentrou seus esforços em A Família Addams 2 em uma narrativa que deixa mais explícitas as diferenças entre o excêntrico clã protagonista e a sociedade comum caprichando no humor negro e crítico. O grande trunfo deste longa atende pelo nome de Paul Rudnick que, sem medo de bater de frente com a vigilância do politicamente correto, recheou seu texto com piadas espinhosas, algumas com uma dose de violência e sobrou até um sarro para o mundo encantado vendido pelos estúdios Disney em suas produções. Até a Coisa, a mãozinha mil e uma utilidades, tem mais espaço na trama que guarda muito da sua força nos conflitos vividos pelos personagens adolescentes. O roteiro agora mostra os Addams em festa com a chegada de um bebê na família. Ele é adorável e meigo como qualquer criança, mas com a diferença que já nasceu com um bigodinho herdado do papai Gomez (Raul Julia) e com um gosto natural pelo perigo. Mortícia (Anjelica Huston), sua mãe, também está feliz com a novidade, assim como seus outros filhos Wednesday (Christina Ricci) e Pugsley (Jimmy Workman), ambos com modos bem excêntricos de demonstrar carinho pelo irmãozinho.
Quem está se sentindo deslocado na família é o tio Fester (Christopher Lloyd) que acaba demonstrando interesse pela nova babá dos sobrinhos, Debbie Jilinsky (Joan Cusack). Rapidamente esta sedutora mulher conquista o coração do solteirão, mas as crianças assim que batem os olhos nela passam a desconfiar que ela não é a mulher ideal para o tio e se tornam uma ameaça para os planos da loira fatal. Persuasiva como só ela, Debbie convence seus patrões que seus filhos estão se sentindo rejeitados com a chegada do bebê e que o melhor para eles seria uma temporada em um acampamento de férias para terem contato com outras crianças. Dessa forma, ela ficaria livre para manipular Fester e afastá-lo do restante da família, abrindo caminho para colocar suas ideias maquiavélicas em prática e herdar a fortuna do inocente noivo que está cego de amor. Despachados para um acampamento de férias, Wednesday e Pugsley confrontam a imagem do mundo ideal que os monitores do local tentam passar e se chocam com a obrigação de serem educados e demonstrarem alegria o tempo todo, mesmo sofrendo uma terapia de choque que inclui desenhos e cantigas tradicionais entoadas por um coral de jovens uniformizados, de peles claras e cabelos bem tratados e que não dispensam uma saudável gincana ao ar livre. O consolo para os irmãos é que eles percebem que não são os únicos rejeitados naquele grupo, muito menos no mundo, e aí entra uma das melhores sequências da obra.
Durante um teatrinho para comemorar o Dia de Ação de Graças, os jovens Addams parecem ter sido vencidos pelo cansaço e resolveram se adequar ao estilo felizes para sempre do acampamento, mas na realidade eles reúnem uma turma de excluídos do local (gordinhos, atrapalhados, deficientes e, curiosamente, o pessoal de cabeleira escura) e promovem uma verdadeira revolução com direito a um discurso que joga por água abaixo todo o sentimentalismo falso que os americanos exaltam em datas comemorativas, uma cutucada que serve para outros povos também. O diretor se inspirou em sua própria vida para esta sequência e para criar o personagem Joel Clicker, vivido por David Krumholtz, o namoradinho de Wednesday. Quando criança, Sonnenfeld era superprotegido por sua mãe, sempre mandado para os acampamentos onde se sentia um peixe fora d'água e também dependia de uma bombinha contra a asma tal qual o personagem que poderia ser visto como seu alterego, uma espécie de vingança às suas lembranças traumáticas. O roteiro também segue paralelamente o casamento de fachada do tio Fester. Para ele a união é de verdade, mas para a esposa tudo é um teatro que tem de acabar o quanto antes e com um grand finale favorável a vigarista. As cenas em que a ex-babá tenta se livrar do marido são bem engraçadas, elaboradas e propositalmente exageradas aproveitando-se da ingenuidade do seu cônjuge.
Geram controvérsias as sequências em que o bebê Addams, o pequeno Pubbert, vivido na realidade pelas gêmeas Kaitlyn e Krystin Hooper, é quase executado pelos próprios irmãos em sádicas traquinagens como testar uma guilhotina ou fazer uma experiência para ver se ele quicaria como uma bola após cair de uma altura considerável. Mas se esta obra quer justamente criticar uma sociedade mentirosamente puritana, por que se espantar com tais cenas? Ok, o rótulo filme-família justifica qualquer crítica negativa ou repúdio, mas no conjunto A Família Addams 2 consegue ser tão bom quanto o original, muito mais audacioso e fiel as origens dos personagens e explora bem o talento de Lloyd, Cusack e, principalmente, Ricci. Faz toda a diferença uma certa inversão em comparação ao roteiro do precursor de tudo. Fora algumas poucas cenas, antes eram as pessoas consideradas normais que invadiam o universo particular de Gomez e companhia, mas nesta segunda mescla de aventura e comédia são os Addams que procuram impor suas presenças no mundo perfeito escamoteado por dias ensolarados, casas bonitas e pessoas distribuindo falsos sorrisos.
No fundo, este longa serve para trazer a tona assuntos de suma importância como tolerância, respeito, caráter, família e o bullying, termo que até então não era usado. Aliás, este último tema talvez seja o mais marcante da produção e é impossível não reparamos que os dilemas dos adolescentes de anos atrás ainda estão presentes e cada vez mais sólidos na sociedade. Infelizmente, a franquia foi interrompida com a morte do intérprete de Gomez pouco tempo depois da conclusão desta segunda parte. Uma tentativa de resgatar os personagens foi feita em 1998 com elenco completamente diferente, roteiro infinitamente inferior e lançamento direto em vídeo. Melhor guardar na memória os dois longas que marcaram a infância de muita gente nos anos 90. Se bem que seria interessante ver uma versão mais moderninha deste clã mostrando como eles se adaptaram as mudanças ao longo dos anos, principalmente em questões tecnológicas visto que eles eram exímios apreciadores de bugigangas medievais e fora de moda. Eita, do jeito que Hollywood anda com dedos podres para histórias e praticamente vomitando os efeitos 3D sobre o público melhor nem dar ideia. Definitivamente os Addams como os conhecemos nos anos 90 jamais terão substitutos a altura.
Excelente crítica!Além de concordar com tudo e entender melhor a crítica ao modelo família americana, eu achei. que o filme 2 tinha muitas insinuações sexuais impróprias para o público,embora tenha sido sutil.
ResponderExcluirExcelente critica. Este filme é simplesmente fantástico e rico...
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